01/04/2014

O copo está meio-cheio ou meio baleiro? Notas sobre o referendo de Anova para a escolha de candidatáveis para as eleições Europeias de 2014

Antom Fente Parada



Segundo se foram conhecendo os resultados apareceram leituras dispares do resultado eleitoral, como acostuma acontecer em todos os processos deste teor. Os dados permitem primar uns sobre outros subjetivamente para fornecer leituras opostas, mas a realidade de Anova atualmente é a que é, distando muito dalgumas leituras idílicas.


A Permanente atual pus o acento em que Lídia Senra recebeu 85% do voto emitido. Este dado é verídico e indiscutível, embora seja duma pobreza analítica maiúscula deter a nossa análise eleitoral aqui. Segundo a atual Permanente, tal e como se recolhe no site oficial de Anova-Irmandade Nacionalista:

Máis do 85 por cento das persoas que exerceron o seu dereito a voto escolleron a labrega Lidia Senra para ser candidata da lista galega ás eleccións europeas. O segundo posto de Anova na lista será ocupado por Carlos Lorenzo Simón, da comarca de Ourense.
A participación, a falta de repasar os datos, foi de máis do 47 por cento, recibindo a candidatura de Lidia 419 votos, una cifra superior á obtida pola opción 1 –ir en coalición coa esquerda federal- no referendo relativo ás alianzas. Carlos Lorenzo recibiu 91 votos.
Con este resultado, unha líder campesiña podería chegar ao Europarlamento, pois Lidia irá no posto 5 da lista de coalición na circunscrición única, condiderado un posto de saída.
Dende Anova-IN queremos resaltar a normalidade da xornada e a radicalidade democrática do proceso.

Lídia Senra recebeu efetivamente 83'3% do voto emitido, mas é inquestionável igualmente que 63 de cada 100 militantes de Anova-Irmandade Nacionalista não participaram e que, quem apostou pela frente ampla no anterior referendo aderiu à abstenção1, entre outros motivos, porque se considerava que o processo e o procedimento apresentavam sérias eivas; pelo descontento com a integração na candidatura estatal de IU; e porque Lídia Senra era uma candidata excelente que, noutras circunstâncias tenho a certeza de que teria obtido um resultado muito maior. Então como é que está o copo, meio cheio ou meio esvaziado?

O referendo transmite mais uma vez uma radiografia da organização fraturada tanto no seu conjunto como territorialmente, algo que deveria fazer reflexionar a todos os sectores de Anova se não se quer cair numa perda constante de contingentes que apenas porão em evidência a inviabilidade de Anova como novo projeto comum para o nacionalismo do século XXI. Deixa ver também que Anova, felizmente, tem um corpo militante muito vivo e plural que evita a existência de qualquer hegemonia. Após dois referendos fica claro que Anova não é o partido de Beiras e sim o partido dos seus 1.230 militantes.

Desta arte, Lídia Senra apenas recebeu o apoio dum terço da militância de Anova, a pesar de ser quase “candidata única” (vê-se bem em que nenhum candidato tem apoios uniformes em tudo o território agás ela), de receber o apoio de Beiras e de toda a atual Permanente (antes de que se conhecesse nenhuma outra candidatura – e ainda o método de eleição–) e a pesar de ser uma pessoa com excelente projeção social e uma trajetória sobradamente conhecida no campo nacionalista.
De 1230 militantes de Anova apenas 419 votaram por Senra, quer dizer 34% da militância. No anterior referendo para a escolha da fórmula eleitoral, celebrado em 23 de fevereiro, a participação foi de 72% (791 votos) ficando desta volta só em 44% (501 votos). Portanto, houve um 28% menos de participação2. Tendo em conta o apoio de Beiras e a trajetória e projeção social duma candidata tão excelente como Lídia Senra uma das conclusões que se podem tirar é que a atual direção de Anova “representa” total ou parcialmente entre 20-30% da militância de Anova. Isto dá-nos ideia de até onde a II AN de Anova será decisiva para marcar o rumo de Anova, ora como projeto político transversal do campo nacionalista, ora como convidado numa fórmula eleitoral fixa que apenas provocará a sua morte – não provavelmente no plano eleitoral, mas sim no plano transformador para o que nasceu–.

Se no anterior processo houve assembleias que apenas participaram, caso de Cangas ou Carvalinho controladas pela FPG, desta volta sim o fizeram achegando 81 votos para a candidatura de Lídia Senra. De fato, no caso de Cangas, ao levarem meses sem pagar, teve que atualizar massivamente as quotas para este processo (em que algumas localdiades receberam até 5 censos pelos numerosos erros contidos a pesar de estarem quase feitos do antior referendo), pois no anterior referendo apenas 30 pessoas tinham direito a voto. Sem estes apoios o resultado teria sido inferior ainda ao colheitado pela integração em IU no anterior referendo.

Se analisamos territorialmente os resultados apenas em 15 mesas votaram mais de 10 militantes: nas 7 cidades, em Cangas, em Teu, em Carvalhinho, em Bergondo, em Ribeira, em Val do Dubra, no Salnês e no Úmia. Ainda podemos engadir que dessas mesas com participação significativamente maior do que nas restantes assembleias de Anova apenas o fizeram num sentido favorável às posições oficialistas em Vigo (58 votos a prol da integração em IU e apenas 40 agora, votando 45 de 120 militantes), Cangas, Teu, Ourense, Ponte Vedra, Lugo, Carvalhinho, Bergondo, Val do Dubra, Ribeira e Úmia.

Vejamos agora todos os resultados na seguinte tábua, em que faltam ainda alguns dados, xa que os dados que oficialmente se fizeram públicos, remetidos desde organização, não incluíam o censo das mesas (entre outros erros importantes). Marcamos em azul as assembleias onde o rechaço à integração em IU e ao procedimento é claro e em verde aquelas que maioritariamente aderiram as teses oficiais. Existem, no entanto, bastantes casos em que a correlação de forças é muito parelha (por exemplo e contra um dos lugares comuns a assembleia de Vigo tanto no anterior referendo como no atual mostra que as duas posturas têm um apoio semelhante).



MESA
Ana Mª Vidal
Lídia Senra
Eduardo Garcia
Julio Villanueva
Bastida
Carlos Lorenzo
Francisco J. Rial
Branco
Nulo
Papeletas
CENSO
A Crunha
3
22
6
0
2
7
0
0
1
26
134
Bergondo
0
14
5
0
1
4
0
0
0
14
25
Ferrol
0
6
0
0
16
2
0
0
1
20
61
Cedeira
0
3
0
0
8
0
0
0
0
9

Taragonha
0
5
0
0
0
0
0
0
0
5

Ribeira
0
8
0
0
1
1
0
2
0
11

Val do Dubra
0
13
0
0
1
0
0
0
0
13
13
Compostela
1
39
5
0
1
6
0
2
1
45

Teu
0
37
0
0
0
2
0
0
0
37

Chantada
0
5
0
0
0
1
0
1
3
9
22
Lugo
0
11
6
0
0
0
0
0
0
11

Marinha
0
7
0
0
0
0
0
0
1
8
17
Montanha Luguesa
0
4
0
0
1
1
0
0
0
4

Lemos
0
0
0
0
0
0
0
2
0
2

Terra Chá
0
1
0
0
3
1
1
1
0
5

Val de Orras
1
4
0
0
1
0
0
1
0
6

Ourense
1
42
1
1
0
32
0
1
0
44

Carvalhinho
0
20
0
0
0
5
1
0
0
20

Maceda de Trives
0
4
0
0
0
3
0
0
0
4

Límia
0
0
0
1
1
0
0
0
0
2
19
Deça
0
6
0
0
0
0
0
0
0
6

Baixo Minho
2
5
0
0
5
0
0
0
0
6
13
Bueu
5
1
0
6
0
0
0
0
0
6
12
Salnês
0
4
0
0
1
1
6
1
1
12
51
Cangas
0
61
29
0
1
2
1
0
0
61
78
Marim
0
10
1
0
0
6
0
0
0
10
12
Ponte Vedra
1
17
2
1
0
2
0
0
0
17

Redondela
0
1
0
0
0
1
0
1
0
2
33
Úmia
0
9
0
0
4
0
6
1
1
11

Val Minhor
0
4
1
0
0
3
0
2
0
6
76
Vigo
0
40
0
0
1
7
0
3
1
45

Diáspora
3
16
2
1
2
4
0
2
0
23

TOTAL
17
419
58
10
50
91
15
20
10
501
1230?


Esta tábua pode ser cotejada com os resultado do anterior referendo. Duma parte vemos como existe uma correlação direta entre opção 1 e apoio a Lídia Senra, que colheita mais apoios do que a opção 1 (mas menos se descontamos os votos de Cangas e Carvalhinho que não participaram no anterior referendo). Doutra parte, vemos como o aumento da abstenção é atribuível às opções 2 e 3 do anterior referendo, assim como o incremento do voto nulo (de 2 a 10) e o voto em branco (de 3 a 20), mais significativo ainda ao ser a participação significativamente menor.




Conclusões

A primeira grande conclusão é que o corpo militante de Anova é plural, diverso e não responde a caricatura externa de que “Anova é o partido de Beiras”. Anova mostrou nos dois referendos que é um organismo vivo, mas profundamente fraturado o que pode pôr em perigo a sua sobrevivência.

Uma segunda questão é que, a pesar de contarem ambos processos com o apoio explícito de Xosé Manuel Beiras, que em Anova é muito mais do que um porta-voz nacional, e a maior parte dos referentes de Anova (Martiño Noriega, Antón Sánchez...) e da sua atual dirigência, incluída a FPG,
a maioria de Anova não adere nem a integração com IU nem o procedimento do atual referendo

Seria igualmente um erro, e este é o terceiro ponto que cumpre sublinhar, acreditar que o setor crítico de Anova aglutina essa maioria. A maioria de Anova nem está com o atual sector oficial nem está com o atual sector crítico, o que exige um exercício de responsabilidade coletiva que veremos se pode materializar-se ou não na II Assembleia Nacional.

A II AN, já que logo, deve incidir em pontos que sim podem restabelecer pontes e marcar a diferença entre a perda de contingentes quantitativamente escassos ou quantitativamente significativos, ameaçando a própria sobrevivência duma organização com uma implantação social ainda muito pequena, máxime se a comparamos – ponhamos por caso- com o outro grande referente de massas do campo nacionalista, o BNG. A militância única, o método de escolha da direção política e a porta-vozia, o respeito pelos acordos de que nos dotamos e a volta à conceção da frente ampla como alavanca para a ruptura democrática e a unidade de ação da esquerda galega são em nossa opinião alguns desses pontos sem os quais Anova não pode completar a decantação associada a tudo processo constituinte que lhe permita restaurar a irmandade e ser uma ferramenta centrada na nação galega, assim como o projecto comum do nacionalismo galego para o século XXI.

Por último, há uma fenda clara entre a Anova rural e a Anova urbana. Nas assembleias urbanas e a sua contorna prima uma conceção mais pós-moderna e líquida – associada à retórica da nova cultura política do que já tenho falado3–, enquanto nas assembleias mais vencelhadas ao rural continua a predominar a linha histórica do galeguismo. A assunção dum modelo de escolha da direção política nacional fundamentado no reconhecimento desta pluralidade, através dum sistema de listagens proporcionais puras em referendo nas assembleias locais poderia ser uma ferramenta para manter a coesão anovando: ou seja, a II assembleia nacional encarregar-se-ia de elaborar as teses e o conjunto da militância poderia em referendo escolher a sua direção política nacional, a Comissão Ética e de Garantias e mais referendar, se é o caso, as teses aprovadas pela II assembleia nacional. A porta-vozia deveria ser escolhida pela nova CN, pois fazê-lo doutro jeito é cair no erro de eleger uma secretária ou um secretário-geral.


1Pessoalmente considerei um erro aderir a abstenção já que esta é muito doada de ocultar e muito mais difícil de fiscalizar que um voto-protesto (branco, nulo...). Contudo, e como se verá, a análise dos resultados territorializados deixa bem claro que há uma maioria de Anova que não adere nem a integração em IU nem o procedimento seguido pela direção atual de Anova neste processo.

2No referendo de 13 de fevereiro a opção 1 (“Que Anova participe integrada em coligação com a esquerda federal”) recebeu 380 votos (48'04%). A segunda opção (“Que Anova conforme uma coligação com forças políticas de esquerda nacionalista das naç4oes sem estado e/ou plataformas cívico-políticas de esquerda e rupturistas”) obteve 369 votos (46'65%). A opção 3 (não concorrer às europeias) teve apenas 37 votos (4'68%). No referendo participaram 791 pessoas, 72'44% com direito a voto.

3“Quê nova cultura para qual nova esquerda?” em À revolta entre a mocidade:

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