Igor Storch, diretor de cinema ucraniano, é o autor deste artigo tirado de Outras Palavras (aqui). Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel.
Ainda não sabemos quem são os roteiristas, mas analisando o drama, podemos ver suas diferentes etapas:
1. Em 28 de novembro o presidente da Ucrânia, Vítor Yanukovich,
decide postergar a assinatura do acordo de associação com a União
Européia, pelas perdas econômicas que implicaria na relação com a
Rússia.
2. A oposição convoca um protesto na Praça da Independência. Em 30 de
novembro, a polícia reprime centenas de manifestantes e desocupa a
praça. Fica um mal-estar e decepção na sociedade, mas não mais que isso.
3. Na noite de 30 de novembro, quando os protestos dos partidários da
integração da Ucrânia à Comunidade Européia perdiam intensidade, as
forças especiais da polícia, de forma surpreendente, atacam um grupo de
estudantes, surrando-os selvagemente. A TV mostra as imagens a todo o
país, a oposição imediatamente faz um chamado ao povo e no dia seguinte,
para surpresa de todos, saem um milhão de pessoas à rua em Kiev, uma
cidade de 3 milhões de habitantes.
4. No dia seguinte, 1º de dezembro, um grupo de radicais falando
russo (a grande maioria dos ativistas fala ucraniano) ataca com paus e
correntes um grupo de alunos da escola militar e da polícia
antidistúrbios. Os atacantes tratam de enredar os civis que protestavam
pacificamente nos seus atos de agressão. Os policiais presenciam a
situação mais de uma hora e meia sem receber ordens para reprimir, e
quando ela chega, reprimem brutalmente. A maioria das vítimas é de civis
inocentes. Dezenas de outros inocentes são presos. A TV russa filma
tudo e imediatamente as imagens vão ao ar nos canais controlados pela
oposição ucraniana. Resultado: o povo chega à Praça da Independência, se
instala em barracas e cerca os tribunais de justiça. As forças
policiais já pareciam seguras de que todos os manifestantes eram
extremistas, e atacam prontamente, enquanto os demais já não duvidam que
os policiais antidistúrbios são carrascos sanguinários, provavelmente
mercenários russos vestidos como policiais ucranianos.
5. Em 11 de dezembro, quando a tensão baixa gradativamente,
organizam-se “mesas redondas”, chegam muitos emissários europeus
oferecendo intermediação e parece que todos estão a ponto de chegar a um
acordo. A polícia ucraniana, sem maior entusiasmo, realiza uma
tentativa de desocupar a Praça da Independência, e o faz com bastante
cautela e sem atacar ninguém. Em resposta, por toda a cidade tocam os
sinos das igrejas e o povo sai de casa às duas horas de uma madrugada
gelada para defender a praça. O transporte público já não funcionava, e
os taxistas levam as pessoas ao centro gratuitamente. Ao final, o povo,
que já estava perdendo o entusiasmo inicial, se anima novamente e
constrói barricadas de três metros. Os chefes policiais ficam
incomodados porque não receberam ordens para reprimir.
6: Passa quase um mês. O Presidente Yanukovich viaja a Moscou e
recebe de Putin a promessa de um crédito de 15 bilhões de dólares.
Passadas as festas de Ano Novo, o povo está cansado, e na Praça nota-se
uma certa desilusão e esgotamento. De repente, em 16 de janeiro, o
parlamento ucraniano, violando todas as normas, aprova as chamadas “Leis
da Ditadura”, que proíbem de forma estrita todas as manifestações
públicas. O povo recebe a notícia e não pode acreditar. Todos novamente
se despejam nas praças e no centro da cidade. A oposição política se vê
cada vez mais passiva e indecisa.
Em 19 de janeiro, os mesmos jovens que foram os provocadores do 1º de
dezembro (a mesma idade, os mesmos refrões e os mesmos métodos) atacam
absurdamente, num domingo, o Palácio do Governo vazio, e com muita
violência agridem novamente a polícia e as tropas especiais. O povo,
exausto com a passividade da oposição política, cai na provocação e
também participa, lançando coquetéis molotov nos representantes do
poder. Começam os combates de rua, o resultado: 40 policiais e militares
e centenas de civis feridos. O governo determina o uso de carros
lança-água contra a multidão, mesmo com uma temperatura de 5oC
abaixo de zero. Um dos líderes da oposição, o boxeador Vitali Klichko,
tenta se reunir com o Presidente, que trata de ganhar tempo e não o
recebe. Os ódios de ambos os lados crescem.
7. A partir desse momento, aparecem maciçamente nas ruas jovens
musculosos, muitos deles com passado delitivo, contratados pelo governo
para amedrontar os manifestantes. Os ativistas radicais começam a
caçá-los, levando alguns deles à Praça da Independência para surrá-los,
ainda que sem maior selvageria, mostrando-os à imprensa. No dia 22 de
janeiro, Dia da União da Ucrânia, novo feriado do país,
franco-atiradores desconhecidos matam cinco pessoas. Todos os disparos
foram feitos por profissionais, diretamente no coração ou na cabeça das
vítimas. Carros sem placa começam a sequestrar ativistas e transeuntes
casuais, suspeitos de simpatizar com Maidan. Torturam selvagemente
dezenas destas pessoas, as desnudam e as atiram na neve. Também queimam
os carros de muitos ativistas. Os canais de televisão controlados pela
oposição mostram os mortos e a brutalidade policial. Pela Internet, todo
o país vê um vídeo que começa a circular, em que policiais, depois de
torturar, desnudam na neve um ativista e, em seguida, tiram fotos com
ele. Matam um conhecido líder social, doutor em ciências…
Alguém invisível parece muito interessado em dividir-nos e enfrentar-nos…
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