28/11/2013

O marxista que quer reinventar as cidades

Entrevista a David Harvey tirada de Outras Palavras (aqui). Entrevista a Vince Emanuele | Tradução: Sônia Scala Padalino.

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Se vivemos em cidades que nos infernizam e aprisionam, qual a causa de sua desumanidade? E, mais importante: que caminhos permitirão transformá-las? As respostas, para esta questão crucial, raramente coincidem. Às vezes, são genéricas demais e paralisam: núcleos urbanos insuportáveis seriam consequência necessária de um sistema que coloca o lucro acima dos seres humanos. Só o fim do capitalismo abriria espaço para novas cidades. Em outros casos, as respostas são muito pouco ambiciosas. Diante de adversários poderosíssimos – o poder econômico e uma política institucional cada vez mais impermeável às aspirações sociais – deveríamos nos concentrar em humanizar espaços restritos. Uma bairro, uma praça, uma horta comunitária.

Acaba de percorrer três cidades brasileiras – Rio, Florianópolis e São Paulo – David Harvey, um pensador que busca, há décadas, soluções para este impasse. Geógrafo, Harvey é também marxista. Para ele, portanto, o degradação das cidades está associada ao capitalismo.

Mas este britânico de 77 anos não se satisfaz com conclusões fáceis. Seu desafio intelectual tem sido, desde que se dedicou ao estudo da urbanização, localizar os mecanismos precisos por meio dos quais as relações capitalistas deterioram a cidade. Harvey sabe que identificar tais mecanismos ajudará a revertê-los; ao passo que repetir chavões poderá, no máximo, satisfazer egos.

Sua investigação o tem levado a conclusões importantes. Por trás de movimentos aparentemente contraditórios – em certos momentos, o centro das metrópoles esvazia-se, para se supervalorizar e aburguesar, no período seguinte –, há necessidades específicas relacionadas à acumulação de capital. Nos EUA, por exemplo, os centros foram abandonados a partir da década de 1950 (morar em Manhattan era baratíssimo…), quando esgotou-se o esforço de guerra e o sistema precisou recolocar recursos na indústria automobilística, abertura de estradas e construção imobiliária intensa nos subúrbios. Trinta anos depois, uma nova supremacia (a dos mercados financeiros) estimulou uma volta às Velhas Cidades. Na primeira fase, agrediu-se a natureza. Na segunda, expulsaram-se os pobres…

Em certos momentos, prossegue Harvey, torna-se possível romper esta lógica. Para o geógrafo, a Comuna de Paris (1871) não foi apenas uma tentativa de expropriar a burguesia, mas a busca de “uma nova vida cotidiana, em reação ao desenvolvimento especulativo e consumista da classe alta”. Mas não é preciso esperar por estas rupturas, para começar a reinventar a cidade.

Harvey sabe que “o replanejamento é algo de longo prazo”. Por isso, valoriza também processos aparentemente menos radicais. Por exemplo, a invenção dos Orçamentos Participativos, que foram mantidos em Porto Alegre por cerca de dez anos, na virada do século. O decisivo é negar a lógica que reduz a cidade a um mero território de valorização capitalista e começar a fazer perguntas: “Como deve ser nossa relação com a natureza? Que tipo de urbanização queremos”?

Em sua passagem pelo Brasil, David Harvey fez palestras e lançou a primeira versão em português de uma obra antiga: Os limites do capital, publicado em 1982. A entrevista a seguir foi feita há alguns meses, por uma rádio alternativa dos EUA (Veterans’ Unplugged) e debate uma obra mais recente: Rebel Cities (2012), ainda sem tradução em português (embora tenha inspirado a coletânea brasileira Cidades Rebeldes, sobre os protestos de junho). É abordando este tipo de mobilização, aliás, que o geógrafo encerra sua conversa. “O conselho que dou a todos é ir para as ruas o mais possível, enfrentar a desigualdade social e a degradação ambiental. (…) Gostaria que as pessoas se tornassem ativas, avançassem. Esse momento é crucial. O grande capital não cedeu em nada até agora. Precisamos produzir um impulso enorme se quisermos ver algo diferente em nossa sociedade”.
Por sua extensão (quase um ensaio), a entrevista será publicada, por Outras Palavras em duas partes. Boa leitura! (A.M.)

No prefácio de Cidades Rebeldes, você descreve sua experiência em Paris nos anos 1970: “Edifícios gigantescos, ruas, construções da administração pública desprovidas de alma; mercantilização monopolizada das ruas que ameaçavam anular a velha Paris… O que era velho não podia durar”. Além disso, em 1967, Henri Lefèbvre escreveu seu ensaio fundamental, O direito à cidade [publicado em português pela Saraiva]. Pode nos falar sobre o período? 

O mundo inteiro considera os anos 1960, como um período de crise urbana. Nos Estados Unidos, por exemplo, muitas cidades importantes se incendiaram. Houve revoltas e revoluções em Los Angeles, Detroit e, depois do assassinato de Martin Luther King em 1968, aproximadamente 120 cidades daquele país viveram inquietações sociais e ações rebeldes mais ou menos maciças. Ocorre que as cidades estavam modernizando-se, com base no automóvel e nas zonas residenciais. A Velha Cidade, aquilo que fora o centro político, econômico e cultural durantes os anos 40 e 50, estava desaparecendo.

Essa era a tendência em todo o mundo capitalista avançado, não apenas nos EUA. Havia sérios problemas na Grã-Bretanha e na França, onde um antigo modo de vida estava sendo desmantelado – um modo de vida do qual, acredito, ninguém devia ter saudades. Esse velho modo de vida foi descartado e substituído por um novo, baseado na comercialização, propriedade, especulação imobiliária, construção de estradas, automóveis, suburbanização. Com todas essas mudanças, houve um aumento da desigualdade e das tensões sociais.

A depender do lugar em que estivéssemos, a desigualdade ou era de classe, ou se concentrava em minorias específicas. Nos EUA, é claro que a comunidade afro-americana tinha as menores oportunidades de trabalho e menos recursos. Se olharmos para trás, veremos que havia programas governamentais na Grã-Bretanha, França e Estados Unidos para tentar enfrentar a “crise urbana”, sempre do mesmo modo. É fascinante estudar essa questão, mas traumático vivê-la como experiência. A crise dos anos 60 foi crucial, e acredito que Lefèbvre tenha compreendido isso muito bem. Ele acreditava que os moradores deviam ter voz ativa nas decisões sobre como as áreas deviam ser, o tipo de urbanização que devia ser adotado. Ao mesmo tempo, os que resistiam queriam inverter a maré da especulação imobiliária que começava a absorver as áreas urbanas em todos os países capitalistas industrializados.

Você escreveu, no primeiro capítulo: “A questão de que tipo de cidade queremos não pode ser separada da questão de que tipo de pessoas queremos ser, quais relações sociais procuramos, que relação temos com a natureza, que estilo de vida desejamos e quais valores estéticos temos”. Mais à frente, você cita a Comuna de Paris como evento histórico que deve ser analisado, pois talvez nos ajude a conceituar o que é o “direito à cidade”. Existem outros exemplos históricos, além deste, sobre os quais podemos refletir? Que desafios temos pela frente, especialmente no contexto neoliberal?

Penso que a ideia de que a cidade que queremos construir deva refletir nossos desejos e exigências pessoais é muito importante. Quem vive num lugar como Nova York precisa se deslocar pela cidade, precisa se relacionar com os outros de um modo bem específico. Como todos sabem, os nova-iorquinos tendem a ser frios e ríspidos. Isso não significa que não se ajudem uns aos outros, mas, para enfrentar a rotina cotidiana e a enorme quantidade de pessoas nas ruas e no metrô, você precisa negociar com a cidade de certa maneira. Da mesma forma, viver em zonas residenciais privadas leva a outros modos de pensar como deveria ser a vida cotidiana. Estas coisas evoluem para posições políticas diferentes, que quase sempre implicam a manutenção de certas urbanizações privadas e exclusivas, à custa do que se passa na periferia. Essas posições sociais e políticas são fruto do tipo de contexto que criamos.

Para mim, esse é um conceito muito importante: as respostas revolucionárias ao ambiente urbano têm muitos precedentes históricos. Por exemplo, em Paris, em 1871, as pessoas queriam um tipo diferente de urbanização; queriam que um tipo diferente de gente vivesse ali. Era uma reação ao desenvolvimento especulativo e consumista da classe alta. A revolta que exigia um tipo diferente de relações sociais, de gênero e de classe.

Poderíamos citar muitos outros exemplos, como a greve geral de Seattle, em 1919. O povo assumiu o controle da cidade e criou estruturas comunitárias. Em Buenos Aires, em 2001, aconteceu a mesma coisa. Em El Alto, na Bolívia, em 2003, houve outro tipo de revolta. Na França, vimos as áreas suburbanas dissolverem-se em tumultos e movimentos revolucionários ao longo dos últimos vinte anos. Ora, os movimentos revolucionários nas áreas urbanas desenvolvem-se lentamente. Não é possível mudar a cidade inteira em uma noite. Para mim, portanto, o replanejamento de uma cidade é um projeto de longo prazo.

O que vemos, porém, é uma transformação do estilo de urbanização no período neoliberal. A resposta a muitos dos protestos de que falamos foi replanejar as cidades segundo os princípios neoliberais de autossuficiência, e traduzir a responsabilidade pessoal, a concorrência e a fragmentação da cidade em urbanizações privadas e espaços privilegiados. Por sorte, as pessoas são obrigadas a pensar em algum tipo de transformação revolucionária em determinados momentos – como em Buenos Aires, em 2001. Eclodiram movimentos que levaram à ocupação de fábricas e à realização de assembleias. Eles foram capazes de ditar o modo em que se devia organizar a cidade e começaram a fazer sérias perguntas: quem queremos ser? Como deve ser nossa relação com a natureza? Que tipo de urbanização queremos?

Pode explicar melhor alguns destes termos? Por exemplo, é possível ver a suburbanização como resultado de “um modo de absorver o excedente de produtos e resolver o problema da absorção da excedência de capital”? Em outras palavras, por que nossas cidades foram esvaziadas desse modo específico? 

Este também é um processo longo, infinito. Voltemos aos anos 30 e à Grande Depressão. Como conseguimos sair dela? Um dos grandes problemas, reconhecidos por todos, era não haver um mercado forte. A capacidade produtiva estava lá, mas não havia como absorver o fluxo dos produtos. Havia, portanto, um capital excedente que não tinha para onde ir. Fizeram-se tentativas frenéticas para encontrar um modo de gastar o capital em excesso. Houve coisas como o programa de obras de Roosevelt para a construção de autoestradas, que tentavam absorver especialmente o excedente de capital e de mão de obra existentes.

Mas só se encontrou uma solução real com a chegada da II Guerra Mundial. Todo o excedente foi, então, imediatamente absorvido pelo esforço bélico – na produção de armas, munições e todo o resto. A guerra pareceu, de início, resolver o problema da Grande Depressão. Mas a essa altura, surgiu a pergunta sobre o pós-guerra: o que iria acontecer quando ela acabasse? O que iria acontecer com todo o capital excedente?

Aqui começa a suburbanização dos Estados Unidos. A construção de zonas residenciais – naquele momento tratava-se da construção de zonas ricas – absorveu o excedente de capital. Inicialmente, construíram o sistema de autoestradas e todos passaram a precisar de um automóvel, pois a casa de periferia tornou-se uma espécie de “castelo” para a classe trabalhadora. Tudo isso aconteceu deixando de lado as comunidades empobrecidas dos centros urbanos. Foi esse o modelo de urbanização dos anos 1950 e 60.

No período posterior aos anos 70 acontece o inverso: o centro da cidade torna-se extremamente rico. De lugar com preços baixos nos anos 70, Manhattan passou a ser um vasto complexo privado para gente muito rica e poderosa. Nesse meio tempo, as comunidades empobrecidas – minorias, em geral – foram expulsas para a periferia. As pessoas fugiram de Nova York para as pequenas cidades do norte do estado ou para a Pensilvânia.

O modelo geral de urbanização está relacionado com a questão de onde se encontram as oportunidades rentáveis para investir o capital. Como sabemos, as oportunidades rentáveis foram poucas nos últimos 15 anos mais ou menos. Durante esse tempo, rios de dinheiro entraram no mercado imobiliário para a construção de casas. Depois vimos o que aconteceu na primavera de 2008, quando a bolha imobiliária explodiu. Por isso, precisamos considerar a urbanização como produto da busca de meios para absorver a produtividade e a produção crescentes de uma sociedade capitalista muito dinâmica, que precisa crescer numa taxa 3% para sobreviver.

Agora, você cita o crescimento explosivo do PIB na Turquia e em várias partes da Ásia. Cita também um paradoxo da China: houve um processo enorme de urbanização nos últimos vinte anos, mas os mesmos projetos industriais que produzem lucros enormes deslocaram milhões e destruíram o ambiente natural. Cidades inteiras estão completamente vazias, já que apenas uma pequena porcentagem da população pode se permitir luxo e conforto. Pode falar destes fenômenos e contradições?

Bem, a China está agindo do mesmo modo que os Estados Unidos, quando lançaram a suburbanização após a segunda guerra. Acho que quando os chineses precisaram decidir o que fazer – principalmente dentro de uma recessão econômica global e diante dos lucros muito lentos de 2007-08 –, resolveram enfrentar as dificuldades econômicas por meio da urbanização e dos programas de infraestrutura: trens de alta velocidade, autoestradas, arranha-céus, etc. Esse foi o meio de absorver o excedente de capital. É claro que todos os que forneceram matérias-primas à China deram-se muito bem: a demanda chinesa foi muito alta. Ela absorve metade do fornecimento mundial de aço.

A aparência do mundo muda muito conforme o lugar em que estamos. Acabo de ir a Istambul (Turquia), e vi guindastes de construção civil por toda a parte. O país cresce 7% ao ano e é hoje muito dinâmico. Quando se está lá, não é possível imaginar que o resto do mundo esteja em crise. Depois, com um voo de duas horas e meia, cheguei a Atenas (Grécia), e nem preciso dizer o que está acontecendo por lá. É como entrar numa zona de calamidade pública, onde tudo está parado. As lojas estão fechadas, não há construções em lugar nenhum da cidade. A distância entre as duas cidades é de menos de mil quilômetros, mas são dois lugares completamente diferentes. É isso que podemos esperar da economia global de hoje: alguns lugares em pleno boom e outros que vão à falência. As crises econômicas têm sempre um desenvolvimento geográfico desigual. É fascinante contar essa história.

No capítulo 2, “As raízes urbanas da crise”, você aborda a relação entre crise econômica nos Estados Unidos, casa própria e direitos de propriedade individual que são componentes ideológicos importantes do “sonho americano”. Mas logo avisa que esses “valores culturais” adquirem certa importância quando são subvencionados por políticas públicas. Que políticas são essas? 

Bem, nos anos 1930, menos de 40% dos americanos tinha casa própria – ou seja, 60% da população pagava aluguel, principalmente pessoas empobrecidas ou de classe média. Essas populações estavam inquietas. Por isso, nos anos 40 e 50 ganhou força a ideia de que era possível estabilizá-las e torná-las favoráveis ao capitalismo dando-lhes a oportunidade de adquirir casa própria. As instituições de poupança e crédito receberam muito apoio. Era lá que as pessoas depositavam suas economias, e estas eram usadas para promover a casa própria das populações de baixa renda. Aconteceu a mesma coisa na Grã Bretanha com a “Building Society”.

Essa tendência teve início, aliás, já por volta de 1890, quando a classe empresarial pensava em como tornar as populações de renda mais baixa estáveis e menos irrequietas. Havia uma frase maravilhosa: “os proprietários de casas não fazem greve”. Lembre-se que as pessoas precisavam contrair dívidas para se tornar proprietárias. E aí está o mecanismo de controle. Esse sistema, porém, foi muito fraco nos anos 20, até que nos anos 30 o governo dos Estados Unidos e as classes empresariais decidiram reforçá-lo. Criaram-se os empréstimos de trinta anos. Mas para que funcionassem era preciso ter, de algum modo, uma garantia. Isso levou à criação de instituições públicas que garantissem as hipotecas.

Ao mesmo tempo, os bancos precisavam encontrar um modo de repassar os empréstimos a terceiros e foi assim que criaram essa organização chamada Fannie Mae. Foi isso que aconteceu naquele período: órgãos públicos usados para favorecer e garantir a propriedade das casas, em particular para as classes média e baixa, o que as desencorajava na hora de fazer greves ou de sair da linha. Estavam endividadas. Estas instituições deslancharam realmente depois da II Guerra Mundial. Houve muita propaganda sobre o “sonho americano” e sobre o que significava ser americano. Permitia-se deduzir, dos impostos, os juros pagos sobre o empréstimo. O Estado subvencionava a propriedade da casa; as instituições públicas promoviam-na.

Já no governo Clinton, em 1995, promoveu-se a casa própria para as minorias. O desenrolar da “crise de subprime” esteve estreitamente ligado ao que o setor privado fazia e também ao que as políticas de governo garantiam. Este é um aspecto crucial da vida americana: 60% da população pagava aluguel, nos anos 1930; mas, entre 2007/08, atingiu-se um pico em que 70% passou a ter casa própria. Isso cria naturalmente um tipo diferente de atmosfera política, na qual a defesa dos direitos e dos valores da propriedade passa a ter grande importância. Surgem os movimentos de bairro com os quais os proprietários tentam manter certas pessoas fora de suas áreas, pois dão-se conta de que poderiam desvalorizar as propriedades. As habitações tornam-se uma forma de poupança para as famílias de classe média e da classe trabalhadora. As pessoas têm acesso a essas poupanças por meio do refinanciamento de suas casas. A casa própria é apresentada, agora, como se fosse o sonho de toda uma vida para os que vivem nos Estados Unidos. Mas, sem dúvida, esse sonho sempre existiu, pelo fato de que, ao conseguir um pouco de terra, pode-se cultivar alguma coisa, conseguir uma vida melhor, etc. Isso fazia parte do sonho dos migrantes. Mas foi transformado na casa própria suburbana, o que não significa ter vacas e frangos no quintal, mas sim estar cercado pelos símbolos do consumismo.

Mais adiante, no mesmo capítulo, você menciona o fato de que devemos ir além de Marx, mas usando suas percepções mais proféticas. De que modo podemos “ir além de Marx”?

Marx é importante porque compreendia profundamente como funciona a acumulação de capital. Percebia que essa máquina de crescimento perpétuo contém muitas contradições internas. Uma das contradições fundamentais das quais fala é entre o “valor de uso” e o “valor de troca”. Vemos com clareza de que modo ela age na situação da casa. Qual é o valor de uso de uma casa? Bem, é uma forma de refúgio, um lugar de privacidade, é onde se pode criar uma família. Podemos citar muitos outros valores de uso.

Mas ela tem também um valor de troca. Lembre-se que quando alguém aluga uma casa, aluga-a com base apenas no que lhe é útil. Mas quando alguém compra uma casa, considera-a como um tipo de poupança e, depois de certo tempo, usa-a como forma de especulação. Como consequência, os preços das casas aumentam. Nesse contexto, o valor de troca passa a dominar o valor de uso. A relação entre o valor de troca e o valor de uso escapa ao controle. Assim, quando o mercado imobiliário explode, repentinamente cinco milhões de pessoas perdem as casas e o valor de uso desaparece. Marx fala dessa importante contradição. Precisamos fazer a seguinte pergunta: o que devemos fazer com a habitação? O que devemos fazer com a saúde? O que estamos fazendo com a educação? Não deveríamos promover o valor de uso da instrução? E por que as necessidades vitais devem ser supridas por meio do sistema do valor de troca? É óbvio que devemos rejeitar o sistema do valor de troca, refém da especulação e dos lucros excessivos. É realmente impressionante quanto somos capazes de comprar produtos e serviços. Essa é uma das contradições que Marx descreveu muito bem.
(continua)
* Entrevista feita por Vince Emanuele para a “Veterans Radio Unplugged”, transmissão que vai ao ar todos os domingos em Michigan City (EUA). Vince é também membro da organização Veteranos pela Paz e faz parte do conselho de administração do Veteranos do Iraque contra a Guerra. A entrevista, transcrita e publicada pelo Znet, um dos principais sites alternativos dos Estados Unidos. Publicamos a tradução, para o português, da versão em italiano.

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