07/05/2012

A porta giratória no Estado espanhol

Antom Fente Parada



Neste artigo analisam-se as relações desvergonhadas das transnacionais com os governos e os casos que se dão no Estado espanhol, de raivosa utilidade, quando Bankia recebe 7.000 milhões do Estado espanhol que é o que leva recortado em sanidade (ou 10.000 milhões em educação) ou quando Nova Caixa Galicia poderia ser vendida por 1€ junto com as poupanças dos galegos.


Algumas reflexoes iniciais sobre o fenómeno da porta giratória

"Nenhum governo do mundo toleraria que a praça principal da sua capital estivesse ocupada durante oito semanas por dúzias de milheiros de manifestantes (..). Daí que for inevitável a enérgica acção do governo", são que não pertecem a Conde Roa nem a Ana Botella, mas a Henry Kissinger, secretario de Estado dos EUA. E não fazem  referência a praça do Obradoiro ou do Sol, mas apenas a  repressão dos manifestantes de Tiananmen (1989). O shock da massacre por dizê-lo doutro modo foi o que fiz possível a adopção da ortodoxia política ultraliberal na China maoísta. O que daquela a Europa do imperialismo dos direitos humanos condenava energicamente assinalando a "barbarie comunista" passou-se a legisla-lo agora nos seus parlamentos, como recentemente fixo o PP para evitar as manifestações pacíficas do 15-m.

Naomi Klein em A doutrina do shock dedica o capítulo 15 da quinta parte do libro a analisar a porta giratória e intitula assim a alinha: "Um Estado corporativista: quitar a porta giratória para pôr no seu lugar uma entrada em arco. Uma doutrina do shock e um estado corporativista que são inerentes ao ultraliberalismo, ou seja ao capital financeiro que sob a camuflagem da globalização impõe o velho Imperialismo e a guerra civil dos governos e as elites contra os seus cidadãos.

Talvez já ninguém lembre que em 2006 (em plena eleição de metade de legislatura) e três semanas antes que Donald Rumsfeld se demitisse (um Rumsfeld que fez de ouro a Gilead Sciences com o medicamento do Tamiflu após o seu passe pelo Governo dos EUA com a "gripe A"), George W. Bush assinou a Lei de Autorização de Defesa, 1400 páginas em que se recolhia uma claúsula que facultava ao presidente a declarar a lei marcial e "recorrer às forças armadas, incluindo a Guarda Nacional", passando por cima dos desejos dos governadores no caso duma "emergência pública" com o fim de "restaurar a ordem pública" e "apagar" a desordem. Em apenas cinco meses a cotização em bolsa de Gilead Sciences subiu 24%.

As transnacionais nos EUA (e dum tempo a esta parte também em Europa) colocavam  e colocam homens da sua confiança nos diferentes governos para garantir que a acção legislativa e executiva é favorável no plano interno aos seus interesses e para, especialmente no caso dos EUA - mas nao apenas como o affaire Repsol-YPF veu demonstrar-, modelar a política externa. Assim, quando uma transnacional norte-americana confronta alguma ameaça derivada da acção dum governo que exerce a sua soberania os "políticos", tanto republicanos como demócratas, reinterpretam isso como um ataque contra a "nação", quando não contra os direitos humanos (aos que habitualmente guardam pouca observância).

Como secretário de defesa Rumsfeld seguiu vencelhado a empresas dedicadas a defesa e a biotecnologia (a mesma que se dedica a fazer as "armas de destruição maciça" que se dizia tinha Sadam Husseim para justificar a guerra contra o "terror"). Em Gilead conservou entre 8 e 39 milhões de dólares em acções, que pouco depois da sua saída do Governo de George W. Bush sofreram uma espectacular subida por causa da invenção duma terrível pandémia chamada "Gripe A". De facto, o Governo de Zapatero (PSOE, de corte social-liberal) mercou milheiros de vacinas de Tamiflu, que era a marca comercial do produto duma das empresas de Rumsfeld. Em junho de 2005 o Pentágono adquiriu Tamiflu por valor de 58 milhões de dólares e um mês depois o Departamento de Saude e Serviços Sociais fazia um pedido desta "menzinha" por valor de 1.000 milhões de dólares. Em janeiro de 2001 cada acção de Gilead valia 7'45 dólares. Depois do shock da "gripe A" cada acção valia 67'60 dólares, quer dizer um 807% mais. Eis o mais valor que justifica sobradamente o fenómeno da porta giratória e que converte a cidadania em simples consumidores governados por uma ditadura das transnacionais e o grande capital.

O caso de Rumsfeld não é o único nem muito menos. Tony Blair, Gerard Schroëder ou José María Aznar recibiron generosos honorários de empresas ligadas com as guerras do Iraque e Afeganistão. O mesmo Cheney nos EUA com a sua empresa Halliburton (da que tinha 189.000 acções, um plano de pensões com opções e acções...). Apenas nos quatro primeiros anos como vice-presidente de George W. Bush recebeu  uns ingressos diferidos de Halliburton por valor de 211.00 dólares (e outro tanto aproximadamente de ordenado público polo desempenho do seu cargo). Antes da guerra do Iraque cada acção da Halliburton valia 10 dólares, depois da carnifazia 41 dólares. Um incremento, já que logo de 300%.

A porta giratória no Estado espanhol

No Estado espanhol são igualmente  múltiplos os casos de porta giratória. Nomeadamente há casos verdadeiramente rechamantes que vão do IBEX-35 (as 35 maiores empresas do Estado espanhol) à política e da política ao IBEX-35. Por não falar de como o PP pus à frente da Agência de Segurança Alimentar do Estado, organismo dependente do Governo, a uma executiva da Coca-Cola Company, que assim poderá evitar que os seu produto estrela leve uma advertência sobre que um dos seus componentes produz cancro.

Ángel Acebes, que pertenceu ao Governo Aznar do PP (extrema direita e direita liberal) e abandonou a política em junho de 2011, fichou pelo concelho de administração da transnacional da energia Iberdrola. Desde que Aznar foi presidente o preço do recibo da luz subiu 80% para os fogares da cidadania do Estado espanhol. O interesse por ex-ministros e ex-presidentes procede fundamentalmente das suas amplas agendas de contactos e da sua capacidade para actuarem como lobby perante os reguladores.

O presidente de Iberdrola, Ignacio Sánchez Galán, foi um dos primeiros em abraçar a Alberte Núñez Feijoo, o "Habichuela" ou "Frijol" em feliz expressão de José Manuel Beiras, que, por sua vez, paralisaria o plano eólico do anterior governo do BNG-PSOE e aprovaria um outro mais favorável para Iberdrola e os grandes do sector. Agora Acebes chega a Iberdrola após passar pelo Banco Financiero y de Ahorros (BFA), o resultado da fusão Caja Madrid, Bancaja e outras cinco entidades de menor tamanho, onde recebeu como ordenado 163.000 euros em 2011.

Precisamente Bankia salta agora a palestra ao receber 7.000 milhões de euros, um monto semelhante aos recortes executados por Rajoy em educação e sanidade. De Bankia acaba de demitir-se Rodrigo Rato com 600.000€ de ordenado e que fora ministro de economia com Aznar e vice-presidente do FMI. Rato é também conselheiro dominical de Internacional Airlines Group (IAG), onde partilha labor com José Manuel Fernández Norniella (ex-secretário de Estado de Comércio e Turism) e José Pedro Pérez Llorca (ex-ministro da Presidencia). Por sua vez, Fernández Norniella pertence ao concelho de Bankia de onde recaudou em 2011 455.000€ e onde também trabalha Virgilio Zapatero (PSOE) que recebeu em 2011 180.000€. De facto, a maioria dos altos cargos de Bankia pertencem directa ou indirectamente ao PP.

A ex-vice-presidenta e ministra de finanças com Zapatero (PSOE), Elena Salgado, em apenas três meses passou do Governo a ser conselheira internacional de Chilectra, a filial de Endesa, onde recebe entre 35.000 e 75.000 euros. Também se incorporou ao conselho assesor de Abertis ao tempo que recebe a indemnização que lhe corresponde como antiga ministra durante dous anos. É um dos casos mais graves já que a legislação actual impide a um ex-alto cargo trabalhar para uma empresa privada durante os dous primeiros anos após deixar o seu posto. Seja como for, o que escreve estas linhas desconhece a existência de qualquer processo judicial contra Elena Salgado. O círculo fecha-se.

Mais um caso é o de Matías Rodríguez Inciarte, que ocupou a carteira de Presidência com Leopoldo Calvo Sotelo (UCD) durante apenas um ano e que leva desde 1984 vencelhado ao Banco Santander. Só em 2011 recebe 6 milhões de euros como vice-presidente do banco. O presidente do BSCH é Emilio Botín, para quem trabalham também o ex-secretário de Estado de economia e ex-secretário geral de comércio Gillermo de la Dehesa Abel Matutes. Matutes foi ministro de exteriores com Aznar (PP) e a sua companheira de gavinete, Isabel Tocino (ministra então de Meio Ambiente) também trabalha para o BSCH. O número 2 de Botín foi indultado pelo Governo de Zapatero antes do traspasso de poderes em 2011.

Telefónica conta com Javier de Paz, antigo líder das Juventudes Socialistas e um dos assessores de maior confiança de José Luís Rodríguez Zapatero, presidente desde a saída de Aznar até 2011. Com Zapatero, Telefónica despediu 20% do seu plantel com benefícios milionários carregando sobre a Segurança Social o custe do subsídio por desemprego de milheiros de trabalhadores. O Governo do PSOE primeiro e o Governo do PP depois aprovaram senlhas reformas laborais que beneficiam o despido, fundamentalmente para as grandes empresas ao pressionar os salários à baixa com a supressão dos convénios colectivos. Outro  velho conhecido em Telefónica é Eduardo Zaplana (PP) que entrou em Telefónica Europa após abandonar o Congresso dos Deputados e apenas a deixou recentemetne pela redução de seis membros do Conselho dessa empresa.

Por sua parte, José Folgado, que fora alcaide de Três Cantos e ex-secretário  de Estado de Economia, acava de ser nomeado presidente de Red Eléctrica, em substituição de Ignacio López del Hierro que não  assumiu o cargo pela polémica que gerou que fosse o marido de María Dolores de Cospedal (PP). Em Red Eléctrica trabalham também Miguel Boyer, ministro de economia com Felipe González (PSOE) e outra ex-cargo socialista: Ángeles Amador.

O "socialista" José Borrel é conselheiro independente de Abengoa, onde recebe 300.000€ ano ano. E apenas se demitiu do Instituto Universitário Europeu após que El País rebelara o monto do seu ordenado (incompatível com pertencer a Abengoa segundo os estatutos do Instituto florentino). Um dos redactores da Constituição da II Restauração bourbónica,  Miguel Roca Junyet, é assessor jurídico e participa do conselho de administração de ACS, presidida por Florentino Pérez e ligada com o negócio do AVE, e é secretário de Abertir. Junyent fora ex-portavoz do grupo catalão no Congresso.

Outra empresa do IBEX-35, FCC, dá trabalho ao ex-ministro de Assuntos Exteriores Marcelino Oreja, que tem 14.000 acções da companhia, e a Nicolás Redondo Terreros, conselheiro independente da empresa e ex-chefe do PSOE em Euskadi. O ex-ministro do PSOE de Turismo trabalha para Técnicas Reunidas. Juan Miguel Villar Mir é presidente de OHL. Pío Cabanillas, porta-voz do Governo com Aznar, liga-se com Acciona como director geral de imagem corporativa e mercadotécnia global.

Por último, seria injusto não completar esta breve relação da boa saúde da porta giratória no Estado espanhol sem falarmos dos ex-presidentes do Reino de Espanha. O social-liberal Felipe González (PSOE) abandonou o marxismo da mão do SPD e a CIA na Transição e hodierno pertence ao conselho de Gas Natural. Aznar recebe, entre outras muitas retribuições em várias empresas,  200.000€ anuais como assessor externo de Endesa. 

As eleições em Grécia mostram como é possível superar o bipartidismo e tecer uma saída pela esquerda radical que não fique no (ani)mal menor do social-liberalismo. Eles dizem que não há alternativa, a esquerda radical tampouco deve acreditar em outra alternativa que não passe pela união na diversiade, a democracia radical e o fim de qualquer concessão a estes same-sugas que devem rematar no cárcere como em Islândia. 

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