11/04/2012

Ultraliberalismo e suicídio

Héctor Rodríguez Vidal e Antom Fente Parada. Os autores sao membros do Concelho Editorial da revista Revolta Irmandinha.

“O rico comete injustiça e grita como se for ofendido;
O pobre é maltratado e deve pedir perdão.
 Se és útil explorar-te-á.
 Se não tens bens abandonar-te-á.
 Se tens algo será teu amigo,
 Porém esvaziar-te-á os petos sem nenhum remordimento.
 Se tem necessidade de ti, adular-te-á,
 Sorrir-te-á e dar-te-á esperanças;
 Dir-te-á belas palavras
 Perguntar-te-á que necessitas.
 Porém humilhar-te-á durante seus banquetes
 até roubar-te duas ou três vezes
e até o final jogará contigo”. Eclesiástico, 13,2-7 (século -II).




Recentemente, o suicídio de Dimitris Christoulas comocionou Grécia. Antes da entrada em Grécia da troika a taxa de suicídios de Grécia era das mais baixas de Eurolândia. Hoje topa-se no topo dos estados europeus, ainda quando a OMS é a primeira em alimentar o silêncio da mídia por toda a parte para silenciar a pandemia do suicídio[1]. Este silêncio alimenta-se porque falar de suicídio supostamente alimentaria e incrementaria os casos... Não parace razoável que não se faça o mesmo com delitos comuns (algo que se defende por exemplo em Cuba), com a violência de género, etc. Mais bem continua o tabu em torno ao suicídio alimentado em grande parte pela religião. O cristianismo condena-o desde os seus inícios firmemente e nos estados árabes não existem pelo geral estatísticas sobre o suicídio. A Igreja Ortodoxa de Grécia, por exemplo, nega-se a dar sepultura aos suicidas, quando apenas em 2011 os suicídios dispararam-se em Grécia em 40%, junto com outras graves conseqüencias.

Porém, mais impactante ainda foi a nota que deixou o farmacêutico aposentado de Atenas, Dimitris Christoulas responsabilizando o Governo e comparando-o com o dos militares que colaboraram em Grécia com a ocupação nazi: «não vejo outra solução senão pôr, de forma digna, fim à minha vida, para que eu não me veja obrigado a revirar o lixo para assegurar o meu sustento. Eu acredito que os jovens sem futuro vão pegar em armas e pendurar os traidores deste país na praça Syntagma, assim como os italianos fizeram com Mussolini em 1945».

Segundo o Instituto Nacional de Estatística do Estado português em 2010 registraram-se em Portugal 1.101 suicídios, 86 mortes mais que as causadas pela sinistralidade rodoviária e 84 mais que em 2009. Em setembro de 2011, Cristina e Pedro punham fim a sua vida lançando-se para a frente dum comboio. Tinham 57 e 53 anos. No bolso de Pedro topou-se uma nota em que se indicava claramente que se sentiam abandonados e no meio da pobreza extrema devido à crise económica que os tinha deixado sem trabalho e sem moradia. Esta é a Europa do bem-estar? Por quê não há então campanhas de prevenção? Por quê é que não prevemos a droga e o suicídio quando têm tanta relação entre os jovens junto a outros transtornos como a anorexia ou a bulimia? É esta a educação em “valores” e para formar cidadãos críticos e realizados que predicam as leis educativas do Estado espanhol sem irmos mais longe?

O Estado espanhol também registra subidas consideráveis nos níveis de suicídio que reconhece a própria imprensa[2], embora o Governo do PP olhe para outro lado. No ano, suicidam-se no Estado espanhol 5.000 pessoas segundo algumas estimações para 2011. Em 2008 foram 3.421 perante as 3.021 vítimas da sinestralidade rodoviária, tal e como afirmou com dados José Giner no Congresso Nacional de Psiquiatria de 22 de outubro de 2010. Para esse ano falava de 3.600 suicídios[3]. Isto faz um total de 9 pessoas ao dia, predominando os homens (78’31%) em grande parte por ser os que, tradicionalmente, jogavam o papel de sustentadores da família operária[4]. Um de cada quatro (250.000) eram jovens menores de 25 anos e a OMS assume que para 2020 o número de suicídios cada ano alcançará a cifra de 1.500.000 anuais. Hogano, a OMS já adverte que se trata dum grave problema sanitário que produz 1.000.000 de mortes ao ano.

No Estado espanhol das mais de 3.000 pessoas que se tiram a vida 90% têm associado alguma doença mental, tentando assim muitas vezes acochar as motivações sócio-laborais e o impacto da crise no desenvolvimento dessas doenças, tanto os problemas psiquiátricos quanto o sucídio têm alguma causa e não são simples produtos do acaso[5]. Por cada pessoa que se suicida há quatro que o tentam sem sucesso. Aliás, os casos de suicídio superam amplamente as mortes por acidentes de trânsito recebendo porém muita mais atenção estes que os primeiros[6].

Outro caso recente e célebre é o de France Télécom, cujas condições laborais provocaram uma vaga de suicídios. A transnacional francesa conta com 220.000 empregados (provavelmente hoje menos pelos “ajustes” e a “flexibilidade”) e 150 milhões de clientes em todo o mundo.  Em menos de dous anos suicidaram-se 25 empregados da transnacional, associado a quadros depressivos de muito mais pessoal, que despedira entre 2006 e 2008 a nada menos que 22.000 empregados. Numa carta de despedida dum dos operários que optaram pelo suicídio indicava-se claramente que este era por mor das condições de trabalho em France Télécom[7].

É o factor humano o que sustém uma parte importante da ganância empresarial; ainda que se diga o contrário é difícil achar alguma etapa em que o capitalismo não funcionasse deste modo: desde o Renascimento, com a “congelação” dos salários ao estilo feudal apesar da inflação que marcou aquele tempo (tal e como assinalam entre outros Wallerstein ou Arrighi), até ao estado do benestar baseado primeiro na reconstrução do após-guerra e depois na exportação da exploração para o terceiro mundo. Mas o factor humano é feito de carne, não de ferro, e não pode aguentar tudo, apenas o possível humanamente; contudo, a destruição de mão de obra preocupa muito intensamente mesmo à burguesia, ainda que for apenas por ser necessária para sustentar a produção[8].

De fato, tem-se insistido muito na necessidade da prevenção e em identificar, especialmente entre os jovens, as populações com risco nos liceus, no entorno familiar e na amizade que poderia impedir o 20% dos casos. Seja como for, a própria mídia reconhece um aumento de 25% de suicídios e 15% de doenças psiquiátricas em ligação com a crise[9].

Bases para um necessário estudo do suicídio

Os materiais que se têm elaborado sobre o suicídio não transcendem pelo geral à opinião pública ao não serem recolhidos pela opinião publicada que se quer erguer como único bom senso possível em virtude dos interesses do grande capital.

Cumpre tomar em conta que o número de suicídios entre os homens triplica o das mulheres em Europa (3 a 1), quadriplica-o nos EUA (4 a 1), mas em Ásia observa-se uma proporção inversa (1 a 3). O caso da China, modelo para alguns apologetas da “flexibilidade laboral” é paradigmático: um suicídio cada dous minutos[10]. Segundo a OMS, o suicídio era causante já antes do começo da crise, ou seja no quadro do sistema-mundo capitalista ultraliberal, de mais mortandade que todos os conflitos bélicos da Terra juntos. E isso, sem ter em conta as tentativas e apenas os casos consumados. Com a irrupção da crise fica fora de qualquer dúvida a relação entre deterioro sócio-económico e suicídios[11].

Finlândia, por exemplo, que se costuma apresentar como modelo de sociedade de bem-estar, conta com uma taxa meia altíssima de 30 consumados por 100.000 e de 400 por 100.000 de para-suicídios ou tentativas não consumadas, sendo estas muito mais elevadas no caso das mulheres que no dos homens para todo o continente europeu. A relação entre suicídios e condições materiais de existência já foi perfeitamente demonstrada nos estados do leste de Europa após a implosão da URSS e os seus estados satélites e a implementação de políticas económicas ultraliberais. O caso da Rússia é bem conhecido e a ele faz referência Naomi Klein em A doutrina do shock[12]. É quase tão irónico quanto trágico, que um dos motivos de denúncia que se nos apresenta no filme Das Leben der anderen (“A vida dos outros”) para dizer que o regime da Alemanha Oriental era repressivo (era-o, não negamos) seja justamente a alta taxa de sucídios e a censura ao respeito; filmes que não fazem senão repetir sem descanso o mantra tatcheriano There is no alternative passam agora a nos descrever a governança mundial sob epítetos pensados para os soviéticos[13].

Quanto a Rússia, em apenas um ano, a terápia do choque deixou um regueiro de caos e miséria: milhões de russos perderam a poupança duma vida quando o dinheiro perdeu valor enquanto outros tantos ficavam sem cobrar salários pelo recorte nas receitas públicas. O russo meio consumia 42% menos de meia em 1992 do que em 1991 e um terço da população caiu na pobreza. Em 2003 o número de multimilhonários russos elevava.-se a 17 segundo a Forbes enquanto o Governo Yeltsin contava com 10% de aprovação (que elevaria mediante a guerra com a Tchetchência) e a corrupçao se espalhava.

A pandémia do alcolismo e do suicídio disparou-se. Yeltsin deixou passo a Putin em conivência com os plutocratas russos sem eleições. Yeltsin deixava como legado 100.000 mortos e um Estado em ruínas. Desde o ascenso de Yeltsin até 1998 mais de 80% das granxas russas quedaram, 70.000 fábricas do estado foram fechadas... Em 1989, ainda com Gorbachev, vivam por baixo do linde da probreza (quer dizer, com menos de 4 dólares ao dia) dous milhões de pessoas. Em 1995 eram já 74 milhões segundo o Banco Mundial. Em 2006 o Governo reconhecia que 715.000 crianças não tinham fogar (segundo UNICEF são 3'5 milhões).

Desde a chegada do capitalismo o consumo de álcool disparou-se, multiplicando-se por dous, ao igual que o consumo de analgésicos mais contundentes (um 900% entre 1994 e 2004 atingindo a 4 milhões, grande parte consumidores de heroína). Em 1994, ponto álgido da terapia de choque, a taxa de suicídios representava o duplo do que em 1992 (quando já era elevada). Os crimes violentos com morte incluída multiplicaram-se por mais de quatro. Rússia perde 700.000 habitantes por ano e a shock doutrine ultraliberal cobrou-se mais de 10% da população. Entre 1992, primeiro ano de terápia de choque, e 2006 Rússia perdeu 6'6 milhoes de habitantes[14].


Na China as reformas de Deng Xiaoping para introduzir o capitalismo converteram  a nomenklatura numa burguesia feliz pelo mantimento do regime repressivo  e de partido único. Os ministros e as suas famílias podiam lucrar com o mercado em expansão, os comandantes receberam a promessa de armamento avanççado e a continuação do prestígio e influência. A Deng sucedeu-no Jiang Zemim, que em 1988 se reuniu com Milton Friedman. O PIB subiu exponencialmente, à medida que o empreendimento privado, nacional e estrangeiro injectava a tecnologia mais recente num sector industrial que oferecia  uma força laboral barata, educada, cooperante e disciplinada. Em 2003, a parte da China no produto interior bruto tinha subido para 12%. Ao tempo apresentava-se-nos a força de trabalho China (e doutros "tigras asiáticos") como modelo de "flexibilidade" e "competitividade" com a que as classes trabalhadoras de Europa deveriam competir renunciando a ordenados altos e a direitos como a negociação colectiva e o direito a sindicar-se.

Porém a realidade é bem outra. O fosso entre ricos e pobres tornou-se cada passo maior. A cintura urbana costeira prosperava em condições de escravidão para milhões de trabalhadores. Por enquanto, os camponeses que ficavam nas aldeias pagavam o Estado com os seus impostos. Os velhos padrões de assistência comunal -a a economia moral de que Mao falava- ruíram. A assistência social estava em declínio. A fraude financeira e a prevaricação judicial tornaram-se profundamente enraizadas. Os bandos criminosos levaram os seus tentáculos  a todos os nichos de negócio lembrando a época das guerras do ópio. A polícia estava afeita a assegurar as necessidades dos grandes empresários e transnacionais. As greves já não eram tratadas com gentileza. Os funcionários do partido e do governo forravam os bolsos aceitando subornos e fechando os olhos a esquemas fraudulentos. O licenciamento de novas empresas e a execução de contratos gerava corrupção. Os ricos protegidos pelos seus guarda-costas e vivendo dentro dos muros dos seus novos acantonamentos palacianos, desfrutavam das suas roupas e jóias caras e faziam viagens ao estrangeiro. O comunismo autoritário e violento de Mao deu passagem a um capitalismo fundado no darwinismo social militarizado. A China, em fim, passou a ter a taxa de suicídio mais alta do mundo[15].

Fica, já que logo, fora de toda dúvida a pertinência de atender a factores sócio-económicos e não atender ao suicídio como um fenómeno simplesmente “individual”. O capitalismo, e em concreto as medidas de economia política da ortodoxia ultraliberal implementadas desde o golpe de estado de Pinochet em Chile, mata e cobra-se por toda a parte milhões de vítimas. Não se importa com assassinar de fome a mais de mil milhões de pessoas ao tempo que contabiliza as mortes por fome nos genocídios de Mao, Estaline ou Polt-Polt. É sabido que a história a escrevem os vencedores, mas também não é menos certo que em Ocidente actuamos como os alemães que aderiram a Hitler e diziam não saberem nada dos campos de extermínio nazi.

Entre 1980 e 2004, antes da data de início da crise económica que podemos situar para o Estado espanhol já em 2008, podemos extrair dados que nos outorguem cifras, já não para todo o Estado espanhol mas também por comunidades para podermos aproximar-nos do caso galego. Aqui cumpriria também fazer um esforço por desvelar suicídios encobertos, já que nos estados nórdicos estima-se que representam entre 5 e 7% da sinistralidade rodoviária; ou os que se dão por sobredoses que ficam ocultos (assim como o Síndrome de Munchausen). Em qualquer caso, e com os dados conhecidos entre 1980 e 2004 a taxa de suicídios aumentou em 60%, especialmente entre os jovens, sendo mais frequentes na primavera e no verão. Os suicídios são igualmente mais frequentes no meio urbano, sobretudo entre a mocidade, e no meio rural dão-se mais entre a população idosa (incomunicação e soidade). Também os documentos de justificação são mais elevados entre os homens que entre as mulheres.

Quanto aos indicadores económicos tem-se assinalado um paradoxo que consiste em que nos estados de alto PIB e renda per capita é onde as taxas de suicídio são mais altas. Assim, Finlândia, Dinamarca, Suíça, Aústria, Alemanha, França e Suécia triplicam historicamente as taxas dos estados mediterrâneos (Grécia, Itália, Portugal...). Aí entram também factores culturais e até religiosos (catolicismo VS protestantismo... a Irlanda comportava-se como os Estados mediterrâneos e o mesmo o Reino Unido e Holanda), se bem após a II Grande Guerra ou nas “emergências nacionais” medra a coesão grupal da sociedade e diminuem muitíssimo as taxas de suicídios (o mesmo por  exemplo para o 11 de septembro que serviu aos EUA para justificar as guerras imperialistas do Iraque e o Afeganistão). Contudo, os condicionantes culturais são, no que diz respeito à Europa ou Ocidente no mínimo, muito secundários considerando o nível de integração política e económica do continente desde fins da Idade Meia: os países centrais e “ricos” são por vezes atingidos pelas consequencias negativas do desenvolvimento capitalista (características das sociedades capitalistas avançadas) como pode ser a destruição dos laços comunitários e outras formas de degradação do tecido social.

Este paradoxo serviu para que alguns analistas ultraliberais procurassem uma relação entre gasto público em benestar social e suicídio, uma manipulação esquizóide que passa por cima do que a crise demonstrou que é o que realmente determina múltiplos casos de suicídios: marginalidade, desemprego de longa duração, desarreigamento familiar (por exemplo há uma forma de violência doméstica não socializada que são sobretudo homens que optam pelo suicídio ao perderem a sua família)[16]...

Se nos acolhemos à taxa de mortalidade masculina, por mor do suicídio, para todas as idades por cada 100.000 habitantes temos que entre 1980 e 2004 esta é de 16’68 para Asturies, 14’40 para Andaluzia, 14’4 para a Galiza, 13’48 para A Rioja, 12’41 para Canárias, 11’41 para Múrcia, 10’98 para Estremadura, 10’98 para Castela -A Mancha, 10’65 para o País Valenciá, 10’50 para Nafarroa, 10’49 para Castela e Leão, 10’20 para Baleares, 9’75 para Aragão, 9’11 para Catalunya, 8’85 para Euskadi, 8’20 para Cantábria e 5’28 para Madrid.

Assim, a Galiza é a terceira comunidade do Estado que registra uma maior taxa de suicídios (14’4%)[17], algo que contradiz a tendência apontadas por alguns analistas para sociedades “conservadoras”, “religiosas”... É a outra (e)migração sem retorno que nunca se tem em conta... As taxas mais baixas dão-se nos locais receptores de migrantes e com maiores oportunidades laborais até 2008 como Catalunya, Euskadi e Madrid (condições que poderiam ter mudado sensivelmente com a irrupção da crise). Também o forte sentimento de pertença a uma nação ou comunidade, a uma sociedade coesa -real ou pretensamente-, deve atuar como atenuante na tendência para esta “solução radical”.

Dentro do período assinalado devemos indicar que entre 1980 e 1984 as taxas eram muitíssimo mais baixas, incrementando-se entre 1984 e 1997 para voltar a descender lenemente até o cámbio de milénio e, sobretudo, a irrupção da crise económica.  Desde 2009 dá-se um suicídio por ano, um incremento de 18’7% a respeito de 2008[18].

Na Galiza a taxa de 14’4 acocha as diferenças territoriais. Lugo, a província, conta com a taxa meia mais alta (tenha-se em conta a agregação geográfica com Asturies, a comunidade com maior taxa). Ponte Vedra é a que conta com uma taxa menor. Os anos de menor número de suicídios foram 1980-1981 e os que tiveram uma maior concentração 1987, 1993 e 1996. Naturalmente desde 2008 as taxas disparam-se se bem que o acesso aos dados é muito mais opaco.

As províncias que lindam com Portugal registram umas taxas menores (Ponte Vedra e Ourense), fenómeno que, no entanto, é contrário ao que acontece em Estremadura na “Raia” com Portugal, onde as cifras de suicídio são mais altas. Não semelha, já que logo, um factor a ter em conta.

Para o caso de Lugo seria interessante ver os casos por concelho e a incidência do rural, sobretudo porque poderia ter influência nas cifras coisas em aparência tão insuspeitadas como o sistema de herança da zona (a milhora). Também há que atender a claros sinais de alarma como o fato de ter-se disparado o consumo de Prozac e outras medicinas semelhantes entre os universitários galegos (eis o consumo tentando curar doentes que o padecem a ele próprio, como a Peste personificada a “curar” os coitados que a sofrem) que disfarçam a verdadeira situação. É também denunciável o despilfarro e o negócio que supõe para as grandes empresas primar a medicina paliativa sobre a preventiva, para além da ausência de menzinhas naturais (muito exploradas por exemplo em Cuba após a queda da URSS).

Conclusão

Para os que subscrevemos estas linhas são várias as conclusões pertinentes ao respeito:

1ª) Nas sociedades capitalistas ocidentais do american dream e semelhantes, fundamentadas na ortodoxia económica ultraliberal, tem-se demonstrado que  maiores condições materiais não trazem consigo maior felicidade, desde o momento em que as necessidades básicas estão cobertas. Daí que os teóricos do socialismo libertário e decrescentista defendam que é possível viver melhor com menos, com mais tempo de lazer e maiores possibilidades de realização pessoal.

2ª) A economia capitalista de consumo baseada da publicidade e na voragem consumista alimenta frustrações, desencanto, doenças mentais de todo tipo... Aliás, perder ou não poder alcançar essa sociedade de american dream é causa de graves transtornos que podem conduzir a tendências suicidas. Deve-se insistir em que o consumo, associado a partir do primeiro terço do século XX a desejos e pulsões mais do que a necessidades objectiváveis, quando invoca a satisfação de desejos (mais uma vez, não de necessidades) de modo impulsivo, sem uma mínima reflexão prévia, está a alimentar pautas comportamentais próprias dum estado constante de ansiedade. Deste modo, o consumo começa a se identificar com um estado de alerta constante que pode conduzir o indivíduo a comportamentos dificilmente explicáveis senão supondo um estado de stress associado ao estímulo do próprio consumo: adição, depressão mental e nervosa e outros transtornos que ainda tendo uma etiologia mais complexa estão também associados à ansiedade de que falámos que podem afetar mesmo os hábitos alimentares. Tudo isto não está no curto prazo em contradição com o bom funcionamento do sistema de produção hodierno, mas os efeitos secundários, como estamos a ver, não se querem mostrar abertamente.

3ª) As crises económicas e a redução do gasto público que levam aparelahadas, especialmente o gasto público social, vão ligadas irremediavelmente ao aumento dos suicídios pelas drásticas mudanças sofridas nas condições de vida entre as classes trabalhadoras; onde se inclui como não a pretensa não-classe ou classe meia em que se baseavam (supostamente) os sistemas políticos velfaristas implementados após a II Grande Guerra. A correlação entre crise e suicídio está bem documentada já desde a crise de 1929, senão antes.

Por outra parte, o próprio suicídio envolve questões que se devem analisar desde perspectivas mais amplas: quando numa crise de enormes proporções se põem os mínimos recursos vitais da população em perigo, esta última ativa os seus mecanismos de sobrevivência gerando uma das maiores e mais antigas margens de ganho que impulsionaram o capitalismo desde o berço, conhecida como superganho ou windfall[19]. Em resumo, o windfall consiste em lhe dizer aos operários “arranjai vós a vossa vida” após destruírem os proprietários dos meios de produção as estruturas em que se sustentavam com anterioridade os trabalhadores para poder participar na actividade económica (por exemplo, as condições salariais, o salário transferido que representam a sanidade ou a educação públicas...): nesta situação o trabalhador esteve por muitas vezes em inferioridade de condições defronte ao proprietário, cedendo tudo, mas hodiernamente isto é um bocado diferente. Esta tentativa de despossessão de sucesso a cada vez mais incerto (mercê, sobretudo, ao associacionismo operário), presente em toda crise do sistema capitalista, faz com que a população se submerja mais uma vez em situações de muito stress e shock que podem fazer do suicídio a saída a um beco sem qualquer saída.

4ª) O silêncio mediático ou as leituras ultraliberais do fenómeno suicida devem interpretar-se como o que são: pantalhas para acochar uma terrível realidade e inibir a responsabilidade dos poderes públicos e dum sistema econômico perverso, imoral e injusto que se baseia na exploração, na carnificina e na alienação já desde a infância ao substituir o papel educativo da família pela televisão e outros meios que criam constantes desejos (defronte às necessidades, que envolvem algum grau de objectividade) que a pessoa deve alimentar.

É muito importante, mesmo fulcral, partilhar com a cidadania a ideia de  não serem os mídia simples informadores, no mínimo muitas coisas antes do que simples: estão orientados pelos mesmos interesses que movem todo capital privado (e uma porção notável do público) e são a respeito daquele (como grupo mais grande em que, aliás, se incluem) os seus “assessores de relações públicas” e portanto nunca ou muito dificilmente poderiam contradizê-lo seriamente.

Em consequência, não é recomendável considerar informadores certos estes agentes, já que, para além de qualquer erro “honesto”, são capazes não apenas de errar, mas também podem ter interesse activo em mentir e inocular falácias no subconsciente colectivo com absoluta aleivosia: é preciso apenas entrarem em contradição as necessidades estratégicas da companhia e as informações “brutas”. Para além disto, o impacto cultural que através da televisão teve a “sociedade de consumo” sobre as verdadeiras sociedades do mundo (sendo aquela uma sobreposição artificiosa) é enorme, mesmo até ao ponto de termos aceitado de facto o consumo como eixo estruturante da vida social e cultural do mundo em que moramos.

5ª) Em definitiva, a passagem do estado do benestar velfarista para o shanganismo ou darwinismo social militarizado não fará mais do que aumentar as doenças mentais, o suicídio, a violência institucional e social e, em definitiva, o ressurgir de novos fascismo com pele de ovelha. Neste habitat hostil todo mudou em poucos anos para poder-se justificar a acumulação de capital como fim último da existência humana, até amplas camadas da população ocidental sem oportunidade alguma de participar desse jogo aceitaram qual se aceita uma verdadeira epifania a respeito da teleologia da humanidade.

Opinamos também como Arrighi, que Ocidente (templo da nova religião) deve ser transformado, antes de mais, por uma revolução cultural digna de abrir um novo ciclo histórico (seguindo a Wallerstein na ideia de estarmos no fim dum) e por essa via somente (seguindo um bocado a Gramsci) é que poderemos mudar a estrutura (económica), porque para iniciar uma mudança faz falta ter uma visão nítida e clara do quê é que se quer mudar e em que modo. A nova cultura vindoura e a visão que trará do futuro estão, com efeito, por vir, mas os processos sociais para a construir já se estão a produzir e as formas culturais para a exprimir que já se estão a formar acompanharão o processo, o referente hoje, como na década de setenta do século passado, está nos países do Sul; contra o Sul continuam os ataques, mas já não podem como outrora os países do Norte exercer a mesma violência. Neste momento em que os estados do Norte estão sumidos nas brumas da austeridade e da privatização maciça do tecido produtivo (aquele que não se deslocara para os países do Sul, sobretudo os serviços), alguns estados do Sul, como os integrantes da ALBA (com excepção do Brasil), avigoram o Estado e a classe operária para responder com eficácia aos ataques do Norte, bastião da iniciativa privada e privativa (que não faz senão retardar qualquer resposta coerente). Não é perante o fim da história que estamos, mas perante um óptimo momento histórico para mudar radicalmente aquilo que seja preciso mudar desde a raiz e a responsabilidade é apenas do género humano, para podermos algum dia, pelo interesse de todos, cantar a Internacional.
 

[1] A Estatística de suicídio realizou-se interruptamente desde 1906 até 2006. Com periodicidade anual, recolhia tanto a informação dos suicídios consumados quanto as tentativas, estudando o acto do suicídio com todas as circunstâncias de tipo social que podam ter interesse. No entanto, desde o ano 2007 e “seguindo estándares internacionais na matéria” adoptou-se a decisão de apagar os boletins do suicídio e obter a informação estatística relativa ao suicídio a partir da informação que oferece o boletim de disfunção judicial, que se emprega para a Estatística de Disfunções segundo a Causa de Morte. Para unha maior informação consulte-se a seguinte ligação: http://www.ine.es/jaxi/menu.do?type=pcaxis&path=/t15/p417/&file=inebase

[2] http://www.elperiodicomediterraneo.com/noticias/sucesos/el-dueno-de-un-bar-de-benicarlo-se-pega-un-tiro-por-las-deudas-_729192.html ou http://www.burbuja.info/inmobiliaria/burbuja-inmobiliaria/107086-alarma-numero-de-suicidios-espana.html

[3] Giner indicava aliás que por cada suicídio consumado se davam 15 tentativas, especialmente entre mulheres e jovens. Entre a mocidade medram especialmente os suicídios numa proporção alarmante ao suporem já entre 3-5% de todos os suicídios.

[4] “En España se suicidan 9 personas al día” em El Mundo,   http://www.elmundo.es/elmundo/2010/09/10/espana/1284129736.html

[5] “Sugieren que los los suicidios aumentaron en Europa por la crisis financiera” em http://www.bbc.co.uk/mundo/ultimas_noticias/2011/07/110708_ultnot_economia_europa_suicidio_vinculo_jrg.shtml

[7] El máximo accionista de France Telecom, el Estado, achacó los suicidios a la "fragilidad individual" em Rebelión: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=112794.

[8] “Renault culpable de ‘falta imperdonable’ por el suicio de un trabajador” em http://sociedad.elpais.com/sociedad/2011/05/19/actualidad/1305756012_850215.html

[10] Vicenç Navarro (2011): “O outro Steve Jobs” em Á revolta entre a mocidade: http://revoltairmandinha.blogspot.com.es/2011/12/o-outro-steve-jobs.html.
“Un suicido cada dos minutos en China”: http://www.lagranepoca.com/un-suicidio-cada-2-minutos-en-china
“Condiciones leoninas en la fábrica china del iPad” em El País (28/05/2010): http://elpais.com/diario/2010/05/28/sociedad/1274997605_850215.html.
“Apple explica la cadena de suicidios en 'su' fábrica china” em http://www.que.es/tecnologia/201006021301-steve-jobs-explica-cadena-suicidios.html.

[12] Klein, Naomi (2010), La doctrina del shock. El auge del capitalismo del desastre, Madrid:Paidós, pp. 258.
 Na Polónia, posta como exemplo de "milagre" económica ultraliberal, as conseqüências da terápia do shock foram bem visíveis e ainda duram provocando uma migração maciça. A produção industrial caiu 30% nos dous primeiros anos de reforma. As importações baratas e a redução do gasto público elevaram a taxa de desemprego para  25% em 1993 e, nalgumas zonas, jamais se recuperaria passando a ser "desemprego estrutural" na jerga dos "economistas" ultraliberais. Segundo o Banco Mundial a Polónia tinha em 2007 uma taxa de 20% de paro, sendo nos menores de 25 anos de 40%, o duplo da maia da UE naquela altura. Em 1989, quando o regime "comunista" caiu, a Polónia contava com 15% vivendo por baixo do linde da probreza, mas em 2003 representava já 59% da população.

[13] “Aumentan los suicidios de personas de mediana edad en Irlanda” em  La Jornada: http://www.jornada.unam.mx/2011/03/06/index.php?section=economia&article=026n1eco.
“Se triplica el consumo de antidepresivos en diez años en España” em http://www.europapress.es/salud/noticia-triplica-consumo-antidepresivos-diez-anos-espana-20110413183502.html.
“Casi el 70% de los españoles se sienten cansados” em http://www.laopinioncoruna.es/sociedad/2011/01/21/70-espanoles-siente-cansado/458739.html.

[14] Klein, Naomi (2010), La doctrina del shock. El auge del capitalismo del desastre, Madrid:Paidós, pp.  301,310, 319-320.

[15] Service, Robert (2008), Camaradas. Uma história mundial do comunismo, Mem Martins: Publicações Europa-América, pp. 460-2.

[16] Sujoy Dhar: “Suicidios aumentan en India” em Rebelión: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=120348.
“Uno de cada cuatro españoles duerme peor que el año pasado por las preocupaciones laborales” em La Voz de Galicia: http://www.lavozdegalicia.es/sociedad/2010/10/26/0003_8807629.htm?idioma=galego.
“Las consultas por salud mental suben el 50% en la UE en ocho años” em El País: http://elpais.com/diario/2010/10/12/salud/1286834402_850215.html.

[17] “Os antidepresivos copan o 45% do gasto farmacéutico en saúde mental” em La Voz de Galicia (26/09/2010): http://www.lavozdegalicia.es/sociedad/2010/09/26/0003_8747360.htm?idioma=galego.

[18] “A crise elevou os suicidios en Galicia a un ao día no 2009” em http://www.lavozdegalicia.es/sociedad/2010/08/19/0003_8677154.htm?idioma=galego.

[19] WALLERSTEIN, Immanuel (2010), El moderno sistema mundial. I. La agricultura capitalista y los orígenes de la economía-mundo europea en el siglo XVI, Madrid: Ed. Siglo XXI, pp. 107-8.

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