27/07/2011

"As políticas dos partidos conservadores são uma receita para o desastre"

Joseph Stiglitz, entrevista tirada do jornal Público (aqui).

O prémio Nobel de economia em 2001, Joseph Stiglitz, é crítico com as políticas ultraliberais da "austeridade".


Joseph Stiglitz (Indiana, EEUU, 1943) destila a contorna de um sábio despistado. Embora não desvia a mirada nem um segundo dos olhos do seu interlocutor, ao redor dos seus pupilas azuis pode-se ver com clareza o cansaço da sua frenética visita ao Reino de Espanha da mão da Fundación Ideas, o think tank do PSOE. A entrevista atrasa-se quase duas horas porque manteve uma longa sobremesa com o presidente do Governo, José Luis Rodríguez Zapatero, e o candidato socialista, Alfredo Pérez Rubalcaba, após uma comida com o comité de sábios que assessora ao partido. Stiglitz, que na segunda-feira mantinha um encontro improvisado com o 15-M, recordou aos líderes progressistas a utilidade dos instrumentos fiscais como via para melhorar os recursos económicos.

foi portada nos jornais pelo seu encontro com o Foro do 15-M. Que impressão se leva do movimento?


Estão cheios de energia. Sérios, no sentido de que estão muito preocupados porque o sistema não está a funcionar, sensíveis às injustiças sociais... mas, olhando-os desde fora, não estão tão indignados ou tão enfadados como eu estaria. Quando vês o desemprego de Espanha, esperas que a gente esteja inclusive mais enfadada. Quando pensas nas injustiças sociais, não no Estado espanhol, senão globalmente, e vês que a crise a causaram os bancos estadounidenses e que os banqueiros seguem com os seus bonus, é muito difícil não dizer "algo está mau com o sistema".

Têm estado quase em um mês acampados, talvez se lhes tem passado essa primeira indignação.

Na assembleia à que assisti ontem (pela segunda-feira) no Retiro sugeriram-me que lhes dissesse que fazer. Não é uma posição de "o sistema está escachado e vamos escacha-lo mais", que é o que dirias se estivesses muito enfadado. O que perguntam é que podemos fazer para solucionar o problema...

Dar-lhes-ia algum conselho para que conseguissem os seus objetivos?

Os movimentos-protesta deveriam ser escutados para ver que há por trás das suas preocupações. Os protestos de Seattle em 1999 contra a ronda de negociações da OMC para liberar o comércio converteram-se em um movimento global. Protestavam porque a forma na que estava organizado o sistema era injusta, pouco democrática, daninha com o médio ambiente... Em muitos casos, escutou-se-lhes. Até então, a gente estava feliz com como estava a funcionar a globalização e foi a primeira vez que os meios escutaram este tipo de queixas... pesquisaram-nas e descobriram que os protestantes tinham razão. De modo que criou-se um movimento político a raiz do qual se propuseram muitas iniciativas. Os académicos e os governos trataram de responder a estas demandas.

Como quais?

Em 2001 teve um acordo para que a seguinte negociação do comércio se centrasse no desenvolvimento. E em 2003 chegou-se a um acordo pelo que os países pobres deviam ter acesso aos medicamentos....

ficou algo deste movimento nos EUA?

Agora está muito organizado pelos think tanks, que entenderam totalmente onde está o debate. De modo que poder-se-ia dizer que se têm institucionalizado...

De modo que, talvez, o futuro do 15-M é institucionalizar-se...

Alguns protestos em outros países já se converteram em uma peça central do debate político sem ter tanto fundamento como no Reino de Espanha.... Por exemplo, nos EUA teve preocupação pelos bancos, de modo que aprovou-se a Lei Dodd-Frank, que nunca esteve influenciada por um movimento político como o de aqui, pelo que a norma é muito imperfeita. Reflete muitas coisas que os bancos queriam. resultasse melhor se tivesse um movimento forte para lutar pela reforma bancária. É importante que mantenham o movimento político mas também que de forma paralela vigiem o plano analítico. É muito difícil discutir algumas questões, como o funcionamento dos CDs, em um movimento-protesta. Mas é o que está por trás da preocupação da gente.

O 15-M vê-se a si mesmo fosse do sistema. Acha que, ao final, terão que converter em um partido para ser escutados?

Não necessariamente. Depende de como reaja a cena política. Ao menos um partido no Estado  espanhol é sensível às suas demandas. E algumas das suas ideias, não todas, serão incorporadas à agenda política. Provavelmente quererão seguir como uma voz que pressione. Com frequência, a voz dos jovens não se escuta. Nos EUA, por exemplo, temos movimentos muito organizados de gente maior. Os republicanos dizem: "Queremos cortar a despesa para não lho deixar às seguintes gerações". Mas se perguntas-lhes aos jovens se preferem estar bem educados ou conseguir uma economia que cresça, diriam que preferem ter infraestruturas modernas e inovação, embora suponha mais dívida. De modo que a gente que representa aos jovens não está on-line com os seus interesses.

Se tivesse que lhe dizer ao 15-M que lutasse só por uma reivindicação económica, qual elegeria?

Em Espanha, seria que se centrassem nas políticas de crescimento económico. Mas reconhecendo as limitações orçamentas. Muita gente (estive na Grécia dantes de vir) quer que os governos gastem um dinheiro que não têm. Essa não é a solução. Estaria muito bem poder pedir dinheiro prestado como EUA, ao 1% de interesse, mas não é possível. De modo que há que ter em conta estas restrições e pensar como crescer nesse palco fazendo todo o que seja possível.

Pois isso significa subir impostos, porque como conseguir-se-á se não?

Bom, quiçá subir-lhos à gente com mais rendimentos e baixar-lhos aos de menos recursos. Também com incentivos para que os bancos dêem créditos às PEMES; baixar os impostos às empresas que acham emprego e subir-lhos aos que não os gerem, tratar de usar ...(silêncio meditativo).

Ferramentas fiscais?

Sim, exatamente, para proveer tanto de recursos ao Estado como de incentivos às empresas.

Este é o tipo de coisas que discutiu com Zapatero e Rubalcaba na comida?

Sim.

E viu-nos abertos?

Já fizeram algo neste sentido. Mas a oportunidade é a Europa. O compromisso lembrado na quinta-feira, no que se destacou o crescimento, é chave. Discutiram muito boas ideias, como os eurobonos, só há que lhes pressionar um pouco para que vão mais longe.

Há alguma receita para conseguir crescimento sem subir impostos?

Não há nenhuma receita mágica mais que para matar a economia, que é a que está a pôr em prática Reino Unido.

Deveríamos ir mais longe na criação de emprego?

Há que prestar atenção ao curto prazo e ao longo prazo. Sem entrar em detalhes, a reforma do mercado laboral ajudará no longo prazo, mas não incidirá no problema real agora que é a falta de demanda. Há algumas coisas que se podem fazer para aumentar o consumo, como melhorar o crédito e jogar com os instrumentos fiscais. O que sim lhe posso dizer é que o tipo de políticas económicas que estão a implementar os partidos conservadores ao longo da Europa são uma receita para o desastre.

Na Alemanha são conservadores e não parecem ir para o desastre.

A razão pela que Alemanha o está a fazer bem é por que se baseou no modelo social europeu, na proteção social. Quando caiu a sua economia, o fez inclusive mais que a de EUA, mas o emprego não se destruiu e sentou as bases da recuperação. Em EUA, faz já cinco anos que estalou a borbulha e ainda um da cada seis estadounidenses quer um emprego a tempo completo que não pode obter. Fracassámos. E temos um mercado laboral muito flexível, o que deixa claro que a flexibilidade laboral não é a solução.

Gosta do acordo europeu?

Sim, é um grande passo adiante. Obviamente seria melhor se, por exemplo, se tivessem comprometido cifras específicas de dinheiro para promover o crescimento. Mas, em conjunto, é imponente. Contudo,  preocupa-me que falam de voltar a uma boa posição fiscal em 2013. Acho que a recuperação não estará completa para então. Para mim, se a economia está forte, ou tão cedo como o esteja, poderemos nos mover a uma boa posição fiscal. Mas não poria um prazo, porque sou pessimista com a recuperação global.

Os mercados seguem sem parecer muito satisfeitos. Que podemos fazer para saciar o seu apetito?

Temem que até que não passe pelos parlamentos não saia adiante. E há muitos detalhes que ainda não estão claros, como o envolvimento do setor privado, que é um pouco difícil de entender. Ademais, ao setor privado não gosta da sua participação, o qual não é nenhuma surpresa. Eles prefeririam um grande subsídio, para se queixar então de que os governos gastam muito dinheiro. Querem que os bancos, o setor privado, seja subsidiado, e que a gente pobre pague o preço. É inaceitável. Que os mercados não estejam contentes demonstra que se tomam decisões duras. A minha interpretação é que Europa lembrou um claro compromisso com a solidariedade. Os investidores são jogadores e acham que se especulam porão a prova Europa e ganharão dinheiro.

Prestamos-lhes demasiada atenção?

Sim. Embora há países que têm que pedir prestadas cuantiosas quantidades de dinheiro e não podem ignorar ao mercado. É onde Europa tem que mover para a unidade porque como coletivo poderia pedir prestado a uma taxa de juro similar ao de EUA. Se não caminha para a integração fiscal todo o sistema cair-se-á.

Que papel jogam as agências de crédito em tudo isto?

O seu desemprego é malísimo, basta recordar que as hipotecas subprime tinham a melhor nota. De modo que é um mistério por que lhes seguem achando. Depois, a gestão destas agências é complicada. Qualificam bonos pagos pela gente à que estão a qualificar. Em terceiro local, os organismos públicos não deveriam delegar o poder para julgar a uma entidade americana, ou européia inclusive. Se o BCE diz que podem aceitar certo bono só se a agência lhe dá uma determinada qualificação, está a traspassar uma responsabilidade. Deveria emitir o seu próprio julgamento sobre esse instrumento. Ademais, o BCE deveria lutar por uma regulação que não permita aos bancos se expor a instrumentos como os CDs que põem em perigo a toda a Europa.

Por que simplesmente não as fechamos?

Não podes. Reclamam a sua liberdade de expressão. Mas pode-se frear que os organismos públicos as fortaleçam. O BCE dá-lhes poder quando diz "com esta nota não farei isto". Os fundos de pensões em alguns países dizem que só se pode investir com bonos de triplo A. Isso também lhes dá poder. Os Governos devem cuidar que os fundos de pensões não façam más práticas, mas não podem delegar essa responsabilidade nas agências de crédito.

A situação da Grécia é calderilha comparado com um falência dos EUA. Que vai passar?

Pois seguro que finalmente se consegue um acordo à beira do precipício. Mas quando caminhas pela borda, algumas vezes cais nele. Chegarão a um acordo porque o custo económico e político é demasiado grande. E os republicanos não querem ser acusados desta situação. Mas não vai ser uma bancarrota no sentido clássico. Não é que os EUA não possa pagar as suas dívidas, é um tema de disfunção política. Embora passemos a data limite do 2 de agosto, não terá uma crise económica porque o mercado sabe que se pode pagar.

Nem o plano dos republicanos nem o dos democratas propõe subidas de impostos. É possível recortar o déficit sem estas medidas?

Não acho. A maioria dos democratas estão comprometidos em melhorar os rendimentos e as propostas vêm pelo lado de acabar com as isenções fiscais a determinados grupos, como as petroleiras, mais que a uma subida de impostos tal qual. Mas também os democratas acham que se se vão cortar programas para os pobres, dever-se-iam subir os impostos aos ricos. Mas isto vai ser muito complicado.

Véu a Espanha em maio do ano passado. viu alguma diferença? Melhor, pior, igual?

Em muitos casos, as coisas foram como eu esperava. Há duas feições finques. O do pacote de medidas de austeridade, que levou a um crescimento lento. E a baixada de rating que seguiu a esse pacote porque segundo as agências ia a aminorar o crescimento. Dava igual o que o Estado espanhol fizesse, que lhe iam baixar o rating.

Atrever-se-ia a dizer que este vai ser no último ano de recessão ou o primeiro da recuperação no Reino de Espanha?É difícil de dizer pelo emprego.

Pois, então, quando acha que o Reino de Espanha vai criar emprego?

Vai ser um processo lento... que arrancará no ano que entra, 2012. começou um pouco mas depende de três coisas: de que Europa leve a caso os compromissos que adotou; de se  a cidadania do Reino de Espanha elege um Governo que imponha mais medidas de austeridade, porque terá uma relentização da economia e do BCE. Se sobem as taxas de juro, pôr-lho-ão difícil ao Estado espanhol. Também influirá o clima económico. Se os republicanos seguem comportando-se de forma irresponsável nos EUA terá consequências globais.

Uma pergunta quase pessoal, que lhe parece Christine Lagarde?

Impressiona-me muito. fez um grande trabalho, mas o seu maior desafio vai ser solventar as divisões no FMI sobre que fazer com Grécia. Um grupo está pujando pela austeridade e outros pedem crescimento.

Esses últimos são novos.

Sim, trouxe-os Dominique Strauss-Kahn. É difícil chegar a uma nova organização, porque escutas aos dois bandos e será chave para a Europa ver a quem faz caso, se à velha guarda ou à nova.

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