15/02/2011

Hungria desafia o FMI

Jérome Duval. Artigo tirado de aqui. O original publicou-se em 16 de agosto de 2010.



A Hungria que assumiu durante seis meses a presidência da UE (União Europeia) a partir do dia 1 de Janeiro, sofre fortemente as consequências de uma crise financeira que não acaba. Apesar de não muito afastada dos objectivos de Maastricht em matéria de défice (3,8 em 2008), a Hungria tornou-se no primeiro país da União Europeia a obter o apoio financeiro da troika FMI, UE e Banco Mundial.

Em Outubro de 2008, é adoptado para a Hungria um plano de 20.000 milhões de euros: 12.300 milhões são emprestado pelo FMI; 6.500 pela União Europeia, e 1.000 pelo Banco Mundial. O valor da dívida aumenta automaticamente. Para além da perda irrecuperável de eficiência, devido ao pagamento dos juros, que engorda o défice, as condições são duras para a população; aumento do IVA em 5 pontos percentuais, hoje em dia a 25%; idade legal de reforma elevada para os 65 anos; congelamento por dois anos dos salários dos funcionários públicos; supressão de pagamento do trabalho extra aos reformados; diminuição da ajuda pública à agricultura e aos transportes públicos...

A extrema direita chega ao Parlamento

A Hungria governada pelos sociais-democratas, tinha conseguido salvaguardar um sistema social relativamente proteccionista, mas a aplicação das medidas de austeridade aconselhadas pelo FMI, desagradou aos cidadãos e beneficiou a direita conservadora, que ganhou as eleições em Abril de 2010. E isso apesar da vitória do novo primeiro ministro, Viktor Orban, ter sido imediatamente saudada pela agência de classificação de risco Fitch Ratings, que prevê que o seu partido o Fidesz, tendo obtido a maioria necessária para modificar a Constituição, “representa uma oportunidade para introduzir reformas estruturais.1

Os sociais democratas conheceram, pois, uma derrota histórica e abriram caminho à extrema direita (Jobbik), chegada pela primeira vez ao Parlamento, com uma percentagem de 16,6%.

Ainda mal chegado à chefia do estado, o governo lança declarações alarmistas sobre a situação financeira do país acusando o governo anterior de ter subestimado a dívida o que teria levado ao défice real de 7,5 do PIB, bastante mais do que os 3,8 calculado pelo FMI. Golpe de teatro ou falsificação de contas? No dia seguinte, 5 de Junho uma onda de pânico provoca uma descida nas bolsas de valor de Londres, Paris, Budapeste... e o euro desvaloriza por se temerem dificuldades semelhantes às da Grécia. O governo, sob pressão tenta então fazer-se ouvir e multiplica os comunicados para acalmar, sem sucesso, os especuladores desenfreados.

Taxar o capital ou o trabalho?

A fim de reduzir o défice para 3,8 do PIB em 2010 como reclama o FMI e a UE, o governo prepara-se para aplicar uma taxa temporária a todo o sector financeiro que irá cobrar 0,45 dos activos líquidos dos bancos (calculado não sobre os lucros mas sobre o volume global dos negócios), para taxar 5,25% das receitas fiscais das companhias de seguros e 5,6% das receitas fiscais de outras instituições financeiras (bolsa, agentes financeiros, gestores de fundos de investimento…). A Hungria aumenta a parada e eleva o valor relativamente ao que foi a aposta de Obama, que decidira aplicar aos bancos uma taxa de apenas 0,15%. Mas esta medida que deveria permitir arrecadar anualmente cerca de 650 milhões de euros durante dois anos (2010 e 2011) ou seja, cerca de 0,8% do PIB, segundo o governo, não agradou aos bancos, que estão a pressionar e a ameaçar retirar investimentos na Hungria. Quanto ao FMI, suspendeu todas as negociações e ameaça cortar a linha de crédito que tinha sido acordada em 2008. Ainda assim o plano que inicialmente estava previsto que iria expirar em Março foi prolongado até Outubro do mesmo ano.

É evidente que a taxa proposta para o sector financeiro, verdadeiro pomo da discórdia entre o FMI e a Hungria, está a impedir que o empréstimo se mantenha. O FMI acha que o país deve tomar medidas adequadas ao dogma neoliberal em curso, entenda-se por ele taxar os pobres antes de taxar os bancos: claro, os pobres têm pouco dinheiro mas há muitos pobres... Dão-se conta do cinismo de uma tal proposta?

Além disso, o projecto de colocar um tecto nas remunerações dos funcionários públicos, incluindo o salário do governador do Banco Central, está totalmente nos antípodas das recomendações do FMI, que prefere a nivelação por baixo, reduzindo ou congelando os salários, como na Grécia ou na Roménia, por exemplo. Por tudo isto, este é um alerta que não deve deixar ilusões, vindo de um partido no poder que favoreceu a penetração do neo-liberalismo nos anos 90 ...

Ok, a taxa sobre a banca ou a austeridade”

Christoph Rosenberg, que dirigia a delegação do FMI na Hungria, deu a entender que a organização internacional queria mais detalhes sobre o orçamento do próximo ano; "Na próxima vez que voltarmos, e a menos que isso aconteça já para a semana, o governo, deverá ter novidades sobre o orçamento de 2011 para apresentar e isso será muito importante, terá dito2. Uma vez mais o FMI se prepara para rever a proposta do governo e intervir directamente na elaboração do orçamento húngaro, com claro prejuízo para a soberania nacional. Enquanto espera, o FMI prevê que o país venha a ter que tomar “medidas suplementares” de austeridade para alcançar os objectivos do défice que ele próprio fixou. Pela sua parte, o ministro de economia Gyorgy Matolcsy declara numa entrevista: “Já dissemos que não podemos criar mais medidas de rigor [...]. Há cinco anos que aplicamos medidas de austeridade, por isso estamos como estamos.”

“Vamos aplicar a taxação sobre a banca, sabemos que é uma carga suplementar pesada, mas também sabemos que podemos alcançar o défice de 3,8%, "Ok, a taxa sobre a banca, ou a austeridade” acrescentou3. Para se proteger de uma extrema direita em plena ascensão nas próximas eleições municipais de Outubro, a direita no poder quer evitar medidas demasiado impopulares e recusa continuar as negociações com o FMI.

Ruptura consumada entre a Hungria e o FMI?

A 17 de Julho, o FMI suspendeu as negociações e, consequentemente, as remessas adicionais ao contrato ao empréstimo. Num primeiro momento, a sanção dos mercados não se fez esperar e a moeda nacional, o forint, recuava até cerca de 2,4% na abertura, enquanto a bolsa perdia 4%. O primeiro ministro, Viktor Orban, toma a iniciativa e consegue a calmar as especulações, agradecendo ao FMI a sua “ajuda de três anos”, referindo que “o acordo de empréstimo expirava em Outubro e que portanto não havia nada para suspender” “Os bancos estão na origem da crise mundial, é normal que contribuam para o restabelecimento da situação”, assinalou4.

A nova lei sobre taxa financeira também prevê uma redução de impostos para as pequenas e médias empresas (PME) de 16 para 10%, foi aprovada em votação de braço no ar (301 a favor e só 12 votos contra) a 22 de Julho no parlamento dominado pelo Fidesz de Orban. Sem surpresa, a partir do dia seguinte, as agências de classificação financeira, Moody’s e Standard & Poor’s colocam sob vigilância a qualificação da dívida soberana húngara com possível descida de escalão. Em pouco tempo, o papel destas agências, juízes e parte de um sistema especulativo mortífero, torna-se claro: melhora-se a nota com a subida ao poder do governo conservador que se pensa seguir a via da austeridade capitalista, e quando se dá conta que as medidas tomam um rumo divergente do dogma neoliberal, apressa-se a baixá-la.

O jornal “Le Monde” defende os credores

Contrariamente ao que afirma o diário “Le Monde”5 na sua edição de 20 de Julho, deve apoiar-se a insubmissão húngara face ao FMI e defender a ideia de que faça o mesmo com o seu outro credor, a União Europeia. Distanciar-se dos seus credores não constitui em absoluto um insulto ao povo húngaro, que ainda vai ter no fim que saldar uma dívida cujas condições impostas pelo FMI e pela UE, são já uma pesada carga para a população.

Evidentemente, tem que se ir mais longe do que uma simples ruptura diplomática propondo, por exemplo uma frente de países unidos contra o pagamento da dívida, pois como tão bem disse Sankara, antigo presidente do Burkina Fasso, alguns meses antes de ser assassinado: “A dívida não pode ser paga porque em primeiro lugar se não pagarmos os nosso fiadores não vão morrer. Temos a certeza. Pelo contrário, se pagarmos, seremos nós quem vai morrer. Temos também a certeza. (...) Se for só o Burkina Fasso a recusar-se a pagar a dívida, eu não estarei aqui na próxima Conferência. Pelo contrário, com o apoio de todos, do que preciso, (aplausos) podemos evitar pagar. E evitando pagar poderemos aplicar os nossos magros recursos no nosso desenvolvimento.”6.

Só um movimento popular que exija a verdade sobre o destino dos montantes emprestados, desde que cumpram as exigências em termos de salário, de emprego ou de protecção social, permitirá fazer recair o custo da crise sobre os verdadeiros responsáveis por ela.

É por isso que é essencial para os povos da Europa e do resto do mundo, a auditoria das dívidas marcadas por ilegalidades, para repudiar o pagamento ilegal. É um primeiro passo para a soberania que iria permitir aplicar os vultuosos fundos dedicados ao reembolso da dívida às reais necessidades das pessoas em educação, saúde e pensões, para salvaguardar os seus serviços públicos, mais do oferecê-los às empresas privadas.

Tradução de Natércia Coimbra para Esquerda.net

1 Hungria: Fitch celebra le resultado electoral, Le Figaro, 26 avril 2010 : http://www.lefigaro.fr/flash-eco/20…

5 M. Orban exhibe abiertamente una insultante desenvoltura hacia sus acreedores», Le Monde, 19 juillet 2010. http://www.lemonde.fr/idees/article…

6 Discurso de Thomas Sankara en Addis-Abeba, le 29 Juillet 1987, uns meses antes da sua morte.

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