31/01/2011

O mal-estar da esquerda

Justo Zambrana. Artigo tirado de aqui e traduzido por nós para o galego. Ilustraçom de Javier Olivares.
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Conforme passam nos meses, a esquerda política, em especial européia, comprova perplexa que as saídas à crise que se previam pela esquerda não só não se produzem, senão que ocorre o contrário. Há um consenso generalizado de que o ocorrido veio incubando-se nas práticas económicas de absoluto laissez-faire que se implantaram nos anos oitenta. A tese central do liberalismo conservador segundo a qual os mercados se autorregulan a si mesmos, fazendo inútil e perniciosa a intervenção política, recebeu o mais rotundo dos desmentidos. E, no entanto, o poder político se tiñe mais de conservador e nem sequer ganha-se no discurso, condição prévia para ganhar o poder.

Se vamos à origem, três são os valores que serviram de motores à esquerda política. O primeiro, a ideia de emancipação como libertação e autorealização do potencial humano. Foi a ideia a mais peso nos pré-marxistas e no jovem Marx. O segundo ideal era a racionalidade. Em frente à supercharia de muitos costumes, a esquerda apostava pela razão como fonte única de valores. O terceiro, como não, é o ideal de igualdade. Dado que os dois primeiros compartilham-se com o liberalismo até o ponto de que Prieto se declarava socialista a por de liberal, o elemento igualdade foi o que mais jogou como definidor do ser de esquerdas.

Os três valores sofrem fortes turbulências na actual sociedade informacional. A emancipação serve como diferenciação de esquerdas só ali onde a direita é mais conservadora que liberal. É o que ocorre em Estados Unidos ou em Espanha. Na prática, desde Maio do 68 para cá, a emancipaão individual, degradada, estão a proporcioná-la os consumos de bens e experiências que dissolvem laços sociais ao mesmo tempo em que substituem ao cidadão crítico pelo cidadão conforme.

O segundo, a razão, aparece zarandeado pelo rebrote dos identitarismos de todo tipo que acompanham a globalização. Até a crise económica, esta questão ocupava o centro do palco político, e a esquerda européia moveu-se com notável incomodidade e muitas contradições num terreno que é vivero de votos. Ou, para a esquerda, sangria de votos. O problema não só se dá no interior das sociedades. Internacionalmente também prima a identidade.

E, finalmente, o valor por excelencia, a igualdade. Faz quase um século que a socialdemocracia rompeu com o comunismo e apostou por combinar mercado e Estado, economia e política. Desde então, Europa viu florescer os Estados de bem-estar; o melhor mix de liberdade, igualdade e segurança. As políticas económicas que conduziram a isso tiveram seu maior sustenta no pensamento económico de Keynes. Por quê, nesta crise, a volta a Keynes só serve para recompor a situação causante dos males e não para atingir um novo equilíbrio social como ocorresse depois da crise do 29? Essa é a questão.

Quatro são as causas centrais que podem explicar o que passa. A primeira é o modo em que se leva a cabo a globalização. A globalização é uma realidade económica, mas não política. Vivemos um mundo claramente assimétrico, a cada vez mais global pela economia e a tecnologia e a cada vez mais local pela política. Com um agravante: os motores da situação são a tecnologia e o mercado. A política só intervém a touro passado. A essência do pensamento keynesiano é a intervenção da política em economia, mas suas receitas estão concebidas no marco do Estado-nação e hoje o Estado-nação a cada vez pinta menos, economicamente falando. Exemplos? Todos, incluído Espanha. A margem para qualquer política económica nacional é mínimo.
Detrás constata-se a segunda causa: a financiarização do capitalismo. Hoje o tamanho dos activos financeiros equivale a várias vezes o PIB mundial. Com dois agravantes: a tecnologia move estas massas de capital à velocidade da luz e as doutrinas dominantes de laissez faire permitiram que os apalancamientos de diferente signo multipliquem sua potência. Não é de estranhar, pois, que não tenha demanda (de consumo e investimento) capaz de contrarrestar esta oferta e que, desde faz 20 anos, as "bolhas" sucedam-se as umas às outras. A cada vez que sobra capital, há borbulha. Se nos anos setenta pôs-se fim a era-a keynesiana porque gerava inflação, que dizer desta época neoliberal que acarreta uma borbulha depois de outra.

Derivada deste excesso de capitalización, a terceira causa. A realidade camuflada da sociedade a crédito. E dos países a crédito. Já que você não tem porque não vontade suficiente, não se preocupe que lho prestamos. Assim, a desigualdade se disimula e o dinheiro que sobra se coloca de um modo rendível. O que dificulta terrivelmente o fenómeno é novamente seu carácter global. O crédito distorsiona o interior das sociedades ricas, mas também gera desequilíbrios na economia mundial.

Todo isso -e é o quarto- com uma transformação tecnológica que está a mudar de raiz a vida da espécie humana no planeta. Uma tecnologia que transforma todas as anteriores e que, longe de versar sobre a natureza, versa sobre o homem mesmo e sua dimensão mais básica, a comunicação.

Neste panorama, a esquerda política tem sérios problemas para articular um relato. Mais que refundar o capitalismo, que não se deixa, quiçá tenhamos que pensar em dar uma alternativa refundando a esquerda. Antes de mais nada, recompondo uma ideologia; ou seja, um marco conceptual para abordar a realidade.

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