30/06/2010

A Taça do mundo e a Renda Básica de Cidadania

Philippe Van Parijs, membro do Conselho Editorial de SinPermiso, é professor de filosofia política na Universidade da Nova Lovaina. Este artigo foi tirado mais concretamente de aqui.



Perante os olhos d mundo, ao Brasil foi-lhe muito bem nestes últimos anos. Umha das áreas que atraem a atençom é a sua luita contra a pobreza. Em parte, polo que já logrou com a Bolsa Família. E, em parte, por mor da ambiciosa perspetiva que deu o governo a todos os programas sociais quando, em janeiro de 2004, o presidente Lula sancionou umha leu que estabeleceu o objetivo dumha Renda Básica de Cidadania para todos os brasileiros.

Em todo o mundo, esse audaz passo foi visto com surpresa. Quando, nos anos 80, se desencadeou o debate internacional sobre o ideal dumha renda básica universal, era óbvio que essa era umha ideia restringida aos países mais ricos. Muitos desses países tinham introduzido programas de renda mínima, polos que chefes de família pobres tinham direito a um benefvcio porque estavam registados como desempregados ou porque a su renda declarada era menor de certo nível. Porém, desde que encontram um emprego, o benefício é cancelado ou reduzido: o esforço é penalizado com o retiro da prestaçom. De aí o desenvolvemento da "armadilha do desemprego", em que tendem a cair as pessoas.

Na Europa Ocidental, na América do Norte, mais tarde no Japom e na Coreia, académicos e ativistas, começárom a propor que esses benefícios focalizados nom fossem suprimidos, mas universalizados na forma dumha Renda Básica de Cidadania paga a todas as pessoas. Se todos receberem o benefício, nom apenas os pobres, estes nom estariam mais presos na armadilha da pobreza. Tampouco nom terá nengum estigma, porque os ricos e os pobres o receberám. Nom é um objetivo dessa universalizaçom fazer os ricos ainda mais ricaços, pois o sistema de imposto à renda deveria ser ajustado para que os ricos financiem os seus benefícios.

Todo isso fai muito sentido, parece, nos países mais ricos que já experimentam sistemas focalizados de transferências e descubrírom os seus efeitos perversos, mas nom em países com um incipiente Estado de bem-estar. No entanto, tempo despois sentírom-se vozes no Brasil, na África do Sul, em México, na Argentina e em outros países afirmando o contrário. Os que pensavam que umha Renda Básica de Cidadania se difundiria primeiro nos países mais ricos, dizem, estám tam errados como Karl Marx, quando afirmou que umha revoluçom socialista poderia se passar apenas num estado altamemente industrializado. Por quê? A razom fundamental é que os sistemas de benefícios dependentes da renda das pessoas som particularmente difíceis de administrar quando umha alta proporçom da populaçom vive um bocado por cima da linha da pobreza e trabalha na informalidade.

Compreendim este ponto quando o senador Eduardo Suplicy me levou a visitar umha repartiçom de Sam Paulo em que os administradores públicos verificavam se as pessoas, que se inscriviam no programa Bolsa Família, estavam qualificados para receber o benefício. Um home com os seus lentes rotos tinha que recordar quanto ganhara o ano passado, umhas vezes trabalhando, outras nom, numha bomba de combustível e quanto tinha ganho a sua esposa como empregada doméstica de diversas casas e, esporadicamente, vendendo mercadorias na feira local. Para muitas pessoas vivendo em médio de dificuldades é compreensivelmente difícil recordar essas cousas com grande precisom. O risco de encontrar arbitrariedades injustiça, clientelismo e corrupçom está em cada curruncho.

A única soluçom estrutural, com umha economia em grande parte informal, consiste em implementar um sistema de benefícios universal, financiado com recursos públicos e que nom utilice a renda pessoal como base para o cálculo.

O programa Bolsa Família é um esquema baseado na renda familiar por pessoa. Como é dependente da renda, é vulnerável por todos os argumentos mencionados, mas representa um progresso. Esses obstáculos permitem que podamos olhar mais alá da Bolsa Família em direçom da Renda Básica de Cidadania.

Para caminhar em direçom a esse destino é necessário fazê-lo gradualmente com umha reforma tributária. Pode ser combinado com a obriga da assistência escolar, na medida que essa obriga realmente vaia prover um benefício adicional de educaçom para quem de outra forma ficaria sem ela, em vez de retirar-se a seguridade da renda nas famílias mais vulneráveis. Qualquer condiçom imposta, mais alá do requisito da renda, precisa ser evaluada em termos de quais de esses dous tipos de efeitos vam a prevalecer. Por exemplo, quando mais exigente for a condicionalidade em termos de desempenho educacional, o mais provável é que as famílias em pior situaçom sejam penalizadas.

É necessario dizer que a Renda Básica de Cidadania, assi como o Programa Bolsa Família, nom som a panaceia. Elas precisam ser parte dumha política social mais abastada, que tamém compreenda o acesso universal à auga, à energia elétrica, a um nível decente de educaçom básica, e aos cuidados da saúde para todos.

Embora a Renda Básica de Cidadania é parte central de qualquer conjunto de políticas que podam ser seriamente formuladas para combinar os objetivos de “fome cero” e de “emprego para todos”, nas circunstancias contemporáneas.

A experiência brasileira é notável, mas ainda está longe de chegar ao final do caminho. Será comparada com as experiências de outros países e submetida a um exame simpático, mas crítico, dum grande número de académicos de muitos países em ocasiom do XII Congresso Internacional da Basic Income Earth Network (BIEN), ou Rede Mundial da Renda Básica, que se relizará na Universidade de Sam Paulo, os dias 30 de junho, 1 e 2 de julho próximos (ver em www.bien2010brasil.com).

Pode o Brasil mostrar o caminho a outros países indo um bocado mais longe do realizado em direçom dumha genuína Renda Básica de Cidadania? Sem dúvida será mais difícil que ganhar mais umha vez a Taça do Mundo. Porém para muitas pessoas nesse país e em todo o mundo é muito mais importante.

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